Paulo Argollo
“A história é contada pelos vencedores.” Esta frase, assim como a própria história do mundo, pode ser interpretada de várias maneiras, e dependendo do ponto de vista ela pode ser mentirosa, verdadeira, ser meia verdade ou ser uma simples invenção que não condiz com a realidade. A história é volátil, é mutante. De tempos em tempos ela é recontada baseada em novas descobertas e até mesmo em outros pontos de vista ideológicos. Mas isso não quer dizer que não valha a pena estudá-la, muito pelo contrário. Isso é o que a torna tão fascinante. Quanto mais se estuda e se conhece os diferentes lados de determinado evento histórico, melhor ele pode ser compreendido.
Em 2015 eu tive o privilégio de estar em Berlim, na Alemanha, no dia 8 de maio, dia mundialmente conhecido como Dia da Vitória. Não foi nada premeditado, foi coincidência. Fui com a minha mãe e minha irmã e estivemos na cidade entre os dias 5 e 9 de maio. Naquele ano comemorou-se os 70 anos da libertação de Berlim e, por consequência, o fim da Segunda Guerra Mundial em solo europeu, pois ela ainda se estenderia até agosto de 1945 no front asiático.
Naqueles dias vi uma cidade em festa. Vários dos monumentos e museus ligados à Segunda Guerra tinham horários, preços e atrações especiais naquela semana. No dia 8 rolou um desfile que contou com alguns poucos veteranos soviéticos que marcharam sobre Berlim em 1945. É claro que a tomada de Berlim pelos russos há de ser lembrada, comemorada, afinal ele marca o fim do período mais sombrio do século XX e um dos mais terríveis de toda a história da humanidade. Mas nós conhecemos essa história pela ótica dos vencedores?
Em meados de abril de 1945 os russos já fechavam o cerco sobre Berlim. O alto escalão nazista já abandonava a cidade e o país, buscando refúgio em várias partes da América. Hitler se recusou a deixar Berlim. O exército soviético avançava com tenacidade e fúria. A tomada de Berlim era a prioridade de Stalin. Chegar lá antes dos britânicos lhe dava vantagens políticas na hora da partilha. Soma-se ainda o espírito de vingança que o ditador russo inspirava em seu exército. Os alemães deviam pagar por todas as mortes e pela destruição de várias cidades russas. Os soviéticos avançavam com canhões, blindados e a pé munidos de metralhadoras e granadas. No dia 30 de abril, mais da metade de Berlim já estava reduzida a escombros e os russos colocaram sua bandeira no Reischtag, o prédio que abriga o governo alemão. Naquele dia, em seu bunker, a cerca de 360 metros do Reichstag, Hitler e Eva Braum cometiam suicídio. Era o fim do nazismo. No dia 8 de maio era assinada a rendição total da Alemanha pelo general Alfred Jodl.
A esta altura, quase 80% de Berlim estava destruída. Os alemães desabrigados e famintos eram espancados nas ruas pelos russos, mulheres eram estupradas repetidas vezes. Estima-se que mais de 130 mil mulheres alemãs foram violentadas por soldados soviéticos. Muitas delas acabavam se suicidando para não passar por este terror. Saques eram frequentes, ninguém tinha o que comer. Foi um horror.
Theodor Heuss foi o primeiro presidente eleito na Alemanha pós-guerra. Em um de seus discursos, ele declarou: “Basicamente 8 de maio de 1945 continua a ser o paradoxo mais trágico e questionável da história para cada um de nós. Por quê? Porque fomos, ao mesmo tempo, libertados e destruídos.” Uma frase ainda hoje verdadeira.
Os dias que estive em Berlim em 2015 foram muito marcantes, pois pude ver uma cidade que 70 anos depois da guerra ainda não cicatrizou algumas de suas feridas. Ao mesmo tempo que o nazismo e o holocausto estão em evidência o tempo todo para que, de acordo com os próprios alemães, tais absurdos nunca voltem a acontecer, é uma cidade que ainda está aprendendo a lidar com certos excessos de liberdade, pois somente em 1990 ficou totalmente livre, depois da queda do muro, uma das consequências do fim da Segunda Guerra.
O dia 8 de maio deve pra sempre ser comemorado. Lembrando que a palavra comemorar significa rememorar em conjunto, não implica necessariamente em uma celebração jubilosa. O fim da Segunda Guerra deve sim ser sempre lembrado e entendido em todos os seus aspectos. Para que a gente finalmente perceba o óbvio. Que a história é contada por sobreviventes, porque em qualquer guerra ninguém realmente sai ganhando.
HOJE EU RECOMENDO
Série-Documentário: A Segunda Guerra em Cores
Ano de lançamento: 2009
Ótima minissérie britânica que conta os principais momentos da Segunda Guerra Mundial com imagens totalmente restauradas em cores. Tem no catálogo da Netflix e vale a pena conferir.