O romance foi como um reencontro com Recife – Alex Carvalho deixou o Brasil há 21 anos. “Tinha muita memória afetiva minha, porque o livro se passa no final dos anos 1980, começo dos anos 1990. Havia descrições interessantes do Recife da minha infância e adolescência”, disse o diretor em entrevista ao Estadão, por videoconferência. “Foi interessante esse questionamento de raízes para mim. A primeira atração do projeto é minha raiz, quem eu sou. Eu queria muito entender quem eu era. E acho que a partir daí minha identidade com a Catherine foi se afunilando, porque é uma personagem que quer entender quem ela é.”
Praia
No filme, Catherine (Marina Foïs, de Polissia) é uma francesa que, após muitos anos de isolamento cuidando do pai, vem ao Brasil para passar um tempo com a irmã (Anna Mouglalis, de Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres), que mora em Recife. Um dia na praia, ela conhece o jovem Gil (Maicon Rodrigues, de O Tempo Não Para e no ar na novela Nos Tempos do Imperador) e aí começa uma relação complexa, em que a comunicação quase sempre se dá por meio dos corpos, já que ela não fala português, e ele não fala francês. “Eu tinha uma identificação com a personagem de me sentir estrangeiro”, disse Carvalho. “Tem uma coisa curiosa de não se sentir em casa nem aqui nem aí. Então, o filme não está vindo só de um brasileiro ou de um europeu, mas de uma pessoa que tem um pouco desses dois lados.” O diretor achava o ponto de vista do livro muito europeu. Tentou respeitar a obra, mas também trazer uma perspectiva brasileira.
Não foi fácil. “Quando cheguei a Recife, por mais que houvesse uma luta gigante de dez anos de trabalho tentando trazer um contexto mais brasileiro, comecei a pensar que de repente eu já era estrangeiro mesmo. Porque tinha trabalhado para caramba tentando abrasileirar o filme, mas na verdade os brasileiros ainda acham o ponto de vista colonial.”
A experiência de fazer Salamandra foi intensa. Carvalho retornou à sua cidade-natal por um período prolongado depois de tanto tempo, deixando a mulher e a filha com necessidades especiais na Inglaterra. Era seu primeiro longa-metragem, ambicioso, com duas atrizes francesas conhecidas. Sendo homem, ele disse ter feito o possível para trazer uma visão mais plural. “Eu diria que mais de 70% da equipe era formada por mulheres”, afirmou.
Protesto
Só que, antes da filmagem de uma cena difícil, que envolvia fogo, dezenas de mulheres da equipe surgiram no set com uma camiseta dizendo “Nenhuma a menos” e leram um manifesto, opondo-se à cena de violência contra Catherine, em que seu sofrimento se traduzia em prazer. Em reportagem da revista Continente, várias reclamaram não apenas da abordagem da cena de violência, em um país em que mais de 1.300 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2019, mas também da falta de diálogo com o diretor. Carvalho passou mal e quem acabou dirigindo a sequência foi o diretor-assistente Leonardo Lacca. A cena não relaciona dor e prazer.
Um ano e meio depois do acontecimento, Carvalho disse que foi pego de surpresa, pois o roteiro havia sido lido por todos. “Tem meus erros, provavelmente, de comunicação na correria. Mas fiquei chateado de não ter havido espaço para uma conversa”, afirmou. “As pessoas não estão dando chance umas às outras. Eu sou totalmente da causa, trabalho para ONGs que ajudam mulheres em situação de violência. Para mim, foi muito violento, mas hoje em dia estou mais tranquilo.
Espero que tenhamos a oportunidade de nos sentarmos e assistirmos ao filme juntos.” Carvalho disse que na edição, tentou ouvir bastante as duas montadoras, Joana Collier e Agnieszka Liggett. O processo todo foi de aprendizado. “Hoje, eu me sinto outro ser humano.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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