Para Nascimento, os senadores devem fazer apenas “aperfeiçoamentos” no texto, mas não devem excluir integralmente os trechos que vêm sendo questionados. Em último caso, ele aposta na força da base do governo na Câmara, que garantiu 313 votos para aprovação do texto-base da MP. Para se ter ideia, a votação superou os 308 votos necessários para aprovar uma emenda constitucional, mas a redação final, com os jabutis, recebeu uma votação menor e foi aprovada por 297 votos a 143.
Na terça, 8, no início da noite, o relator da proposta no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), disse que ainda vai avaliar as emendas propostas pelos senadores e não descartou aceitar algumas sugestões de mudanças. Ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, o senador frisou que o relatório terá um “texto de convergência”, e os pontos que forem alvo de divergência serão submetidos a voto.
Caso isso aconteça, o texto terá de passar por nova votação na Câmara dos Deputados, o que aumenta o risco de o texto expirar, já que perde validade em 22 de junho. Rogério sinalizou a possibilidade de o texto ser votado ainda nesta semana, mas é provável que fique para terça ou quarta-feira, segundo o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE). Pelo cronograma traçado, os deputados teriam menos de uma semana para analisar os pontos alterados pelo Senado. O prazo curto para a segunda análise na Câmara tampouco preocupa Elmar Nascimento.
O relatório aprovado pelos deputados vem sendo criticado por senadores e associações dos setores de energia, indústria e gás natural. A proposta obriga o governo a contratar térmicas a gás mesmo onde não há reservas nem infraestrutura para transportar o insumo. Cria, ainda, uma reserva de mercado que obriga a contratação de energia de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) nos próximos leilões e prorroga, automaticamente, contratos das usinas integrantes do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa), sem considerar que os valores das construções dos empreendimentos já foram amortizados e, por isso, deveriam ser retirados das tarifas.
De acordo com associações do setor elétrico, a aprovação da medida provisória aprovada pela Câmara vai custar R$ 41 bilhões aos consumidores, ou R$ 67 bilhões se considerada a incidência de impostos. As entidades, que encaminharam manifesto contra as propostas aos senadores, se uniram a um movimento chamado de “União pela Energia”, que reúne representantes da indústria, investidores no setor elétrico e produtores de petróleo e gás, e pedem ao Senado o resgate do texto original enviado pelo governo ao Congresso para evitar um aumento médio de 10% nas tarifas dos consumidores residenciais e de até 20% para o comércio e indústria.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, estima que o custo da privatização da Eletrobras representa um cheque de R$ 335 que será pago por cada brasileiro. Além de encarecer a conta, ele afirma que a proposta pode gerar uma onda de judicialização.
Jabutis ressuscitados
O ponto mais controverso, segundo a Abividro, é a obrigação de contratação de térmicas a gás. Belmonte explica que, para cumprir a determinação, seria necessário construir uma série de gasodutos pelo País, cujos custos seriam repassados aos consumidores por encargos. Ele ressalta que a proposta não é nova e que já houve diversas tentativas de aprovação de dispositivos semelhantes nos últimos três anos em diversas propostas que tramitaram no Congresso. “Isso não se justifica pela lógica econômica”, afirma.
A primeira tentativa foi justamente em outra MP que tratava da privatização da Eletrobras, enviada ao Congresso no governo Michel Temer. Em maio de 2018, o então deputado Julio Lopes (PP-RJ), que relatava a proposta em uma comissão mista, incluiu em seu parecer a criação do “Dutogas”, um fundo financeiro que seria custeado com recursos do fundo social do pré-sal, destinados a investimentos em saúde e educação, para subsidiar a expansão dos dutos. A ideia não foi para frente, assim como a MP, que perdeu validade sem ser aprovada pelo Congresso Nacional.
Rebatizada de “Brasduto”, a mesma proposta foi incluída no projeto de lei que tratou da solução para impasse bilionário do risco hidrológico, posteriormente vetada pelo presidente da República, e em um projeto apresentado pelo senador Marcos Bittar (MDB-AC), que destina 20% do valor arrecadado pela comercialização de petróleo e gás natural ao fundo. Já no novo marco do gás, recentemente aprovada pelo Congresso, houve uma tentativa no Senado de incluir a contratação de térmicas inflexíveis, que também demandaria a construção de gasodutos com recursos pagos pelos consumidores, mas o dispositivo foi derrubado por um destaque dos senadores.
A diretora executiva de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sylvie D’Apote, também se posicionou contra os jabutis do texto aprovado pela Câmara. Ela afirma que as termelétricas locacionais são uma intervenção discricionária no setor, que não assegura maior proteção ao setor elétrico ou ao sistema de gás, e que os empreendimentos mais competitivos são justamente os mais próximos dos pontos de suprimento de gás – sejam terminais de abastecimento, sejam gasodutos.
“Do ponto de vista do setor de gás, não há vantagem em colocar termelétricas longe dos pontos de abastecimento. O gás compete com outros combustíveis e precisa chegar de forma competitiva. Colocar um gasoduto em um local com mercado pequeno terá custo alto”, afirmou a diretora. “Estão tentando criar uma reserva de mercado para empreendimentos que não necessariamente seriam competitivos e melhores, se deixássemos mecanismos de mercado funcionarem”, afirmou.
Para ela, o ideal é que os senadores resgatem o texto original enviado pelo governo ao Congresso, que permite a privatização da Eletrobras, mas sem os jabutis. “Estamos muito preocupados porque essas medidas vão na contramão de tudo que foi aprovado e sancionado no novo marco de gás, que preconiza investimentos a serem contratados de maneira competitiva e econômica pelo consumidor”, afirmou. “Ao contratar empreendimentos de maneira compulsória, as chances de contratação de termelétricas mais competitivas e até projetos de energia renovável diminuem. O texto vai contra a lógica econômica e também metas ambientais. Acredito que seja um custo muito alto para aprovar a privatização.”
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