A assinatura de Viana chama atenção para o projeto por seu nome ser diretamente associado às comédias. Um Chopes, Dois Pastel e uma Porção de Bobagem, Carro de Paulista, Vestir o Pai e Vamos? são algumas de suas vinte peças encenadas, entre as quais, até agora, figurava um único drama, o monólogo Natureza Morta. “Sempre tive uma afeição maior ao humor, mas achava que não levava jeito”, brinca. Em 1986, Viana participou de uma oficina de dramaturgia do CPT, orientada por Luís Alberto de Abreu, e foi lá que Anna começou a ser esboçada. Entre as suas motivações, pesavam um fascínio pela figura de Euclides da Cunha, o lançamento do livro Anna de Assis: História de um Amor Trágico, de Judith Ribeiro de Assis e Jeferson de Andrade, e o bom senso do jornalista, que já era de não se aventurar em um argumento de ficção qualquer. “É uma história com todos os elementos de uma tragédia e sempre me intrigou Anna ter perdoado Dilermando mesmo depois de ele ter matado seu filho em uma catástrofe posterior”, declara.
Em Anna, Euclides não aparece, pertence aos fantasmas do passado. O drama recai sobre a personagem-título, atormentada por desejos, culpas e angústias em relação às fatalidades acumuladas. Entre a memória e o presente, Anna é confrontada por Dilermando (Gustavo Moura), o cunhado Dinorah (Valdir Rivaben), o filho Sólon (Jonathan Well) e a mãe, Túlia (Selma Luchesi).
A opressão sofrida pela protagonista, a diferença de idade entre ela e o amante, a ação criminosa do marido traído e a busca pelo amor são temas que não pereceram, mas estavam lá, empoeirados na gaveta de Viana, que abandonou a obra seminal.
Até tocar seu telefone, com uma pergunta da atriz Vera Lúcia Ribeiro, que passou os últimos doze anos dedicada para a carreira acadêmica e tinha decidido voltar aos palcos em 2020: “Mário, você teria um texto com uma personagem feminina forte para me mostrar?”, perguntou ela.
Veio a pandemia, o teatro presencial se tornou inviável, e Vera, encantada com a peça, chamou Gonzaga Pedrosa para encená-la, pelo menos por enquanto, de forma remota. “Anna foi vítima de uma família repressora e, mais de um século depois, enfrentamos o retrocesso de ver o conservadorismo dominando a sociedade”, afirma a atriz e produtora.
Como dramaturgo, Viana acredita que o texto se mostra mais oportuno hoje que na virada da década de 1980, quando o Brasil respirava ares mais libertários. “Não mexi em nada, quando termino um trabalho é ponto final, está encerrado”, diz ele, que enxerga em Anna um certo atrevimento, ainda mais por ser uma peça de estreia. “E, relendo, encontrei nela várias questões ou formas narrativas que desenvolveria em obras posteriores.”
De olho no conjunto de sua obra, Viana, porém, admite que nem tudo envelheceu tão bem e se contradiz ao assumir que talvez revisitasse alguns textos para futuras montagens. Carro de Paulista (2003) e Galeria Metrópole (2004) são exemplos. A primeira mostra um grupo de garotos da periferia da zona leste, que pega um carro para namorar as meninas da região da Paulista sem conhecer bem o caminho, enquanto a segunda trata de uma jovem homossexual que reencontra o tio sexagenário defenestrado da família por causa da orientação sexual. “Hoje, eu vejo essa personagem lésbica muito panfletária e, em Carro de Paulista, tudo mudou, todo garoto tem no celular um aplicativo capaz de levá-lo sem sobressaltos a qualquer lugar. Só assim essas peças atingiriam um novo público.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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