Nesse período, o cartunista documentou em imagens o cotidiano da prisão, dos quais guardou três que sintetizavam o que ele viveu naqueles dias, como o espaço da cela e a fila do banheiro. Após ser solto e deixar o Brasil, Claudius escondeu as ilustrações com medo de que fossem confiscadas.
Aparentemente perdido, o material só foi encontrado recentemente por Claudius e essa história é um dos destaques do Festival serrote, organizado pela revista de ensaios do Instituto Moreira Salles. Em formato virtual, o evento é transmitido no YouTube e no Facebook do IMS e, neste sábado, 17, Claudius participa de uma mesa de debate, às 19h, quando vai reviver aqueles momentos, também relatados em um texto escrito para a serrote. O acervo do artista foi adquirido pelo IMS.
“Redescobrir aqueles desenhos agora foi um momento de forte emoção, difícil de expressar”, conta Claudius ao Estadão, em entrevista por e-mail. “E só agora tomei conhecimento de fatos que aconteceram com minha mulher, com meu filho, com minha família, durante aqueles dias. Fatos que, na procura de tudo esquecer, nunca haviam sido mencionados. O trauma permanece em algum lugar do subconsciente, até que algo o obriga a vir à superfície, o que nos desperta reações emotivas inesperadas.”
Foram 17 dias encarcerado, mas, quando se está preso e sem perspectivas, Claudius conta, “não se sabe se vão ser dias, meses ou anos”. Segundo o cartunista, hoje com 83 anos, a experiência não modificou, porém, sua rotina de trabalho, depois de ser libertado. “Talvez até tenha reforçado e amadurecido aquilo em que acredito”, observa. “Naquele momento, em junho de 1964, recém-saído da prisão, fiz um relato e um cartum para a (revista) Pif Paf, criticando a prisão com humor. São duas maneiras de vivenciar a mesma experiência.”
Um dos grandes nomes da geração de artistas gráficos brasileiros que surgiram nos anos 1960, Claudius teve passagens marcantes pela imprensa escrita, especialmente no semanário O Pasquim e na revista Pif Paf, cujo principal característica era o humor. Arquiteto de formação, viveu exilado na Suíça nos anos 1970 quando, ao lado do educador Paulo Freire e outros, criou o Instituto de Ação Cultural, responsável pela criação de projetos de alfabetização em países africanos de língua portuguesa.
Os três desenhos que retratam aquele período em que esteve preso (Claudius produziu mais, alguns foram presenteados aos colegas de cárcere) reforçam a importância dos cartuns e caricaturas como fonte histórica. “As caricaturas de D. Pedro II nos dão informações importantes sobre o personagem. Sem elas, a percepção sobre nosso simpático imperador dependeria de outras fontes, talvez menos evidentes do que o que o visual nos oferece”, comenta. “As charges sobre Getúlio (Vargas) fazem parte de sua persona pública, nos diferentes papéis que desempenhou nos seus dois mandatos.”
Claudius foi preso provavelmente por ter visitado Cuba, como jornalista, em 1963, e, na volta, ter feito uma palestra no Instituto Cultural Brasil-Cuba sobre o que viu na ilha. “Realmente, ser chamado de agente de Fidel Castro era risível, ridículo”, escreve ele na serrote.
“O humor é a arma do oprimido contra o opressor, disse Freud”, diz o cartunista, na entrevista. “O humor revela os pés de barro das imagens excelsas, os aspectos escondidos de personagens públicas que se consideram importantes, que se julgam acima da lei, ou que se apresentam como Messias, salvadores da pátria, ídolos intocáveis. Para fazer humor, não precisamos necessariamente de que o circo pegue fogo. A vida política normal já nos dá suficientes motivos para trabalhar arduamente.”
Questionado sobre se o humor deveria ter limites para evitar atos violentos – como o atentado provocado por terroristas fundamentalistas ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em 2015, que resultou em doze mortos -, Claudius é enfático: “O limite é a vida. Ninguém tem o direito de matar. O massacre dos jornalistas do Charlie Hebdo é um fato horrendo. Nada pode justificá-lo”, explica. “Neste terreno incerto, cada humorista terá de se posicionar de acordo com seus princípios. O que não é possível é justificar o massacre. Já ultrapassamos a barbárie, agora é preciso lutar para aperfeiçoar os direitos que cada um tem e respeitá-los. A liberdade é uma planta frágil, tem de ser cuidada todo o tempo, retirando os resquícios de um passado de violência, racismo e misoginia.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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