Diferentemente das duas edições anteriores, Valente dessa vez resolveu compartilhar a curadoria, convidando dez curadores e curadoras para selecionar os títulos. “Todos tiveram plena liberdade para propor títulos e aproximar filmes, mas também nos reunimos para trocar ideias sobre o que esses olhares, em seu conjunto, podiam projetar sobre a produção brasileira da última década.” Os anos 2010 começaram muito ricos para o cinema do País, em especial por conta das políticas públicas, que começaram a se desenhar na década anterior. “Foram produzidos cerca de 2 mil filmes, que fomos listando e dividindo em eixos temáticos.”
A situação começou a se complicar a partir do processo de impeachment, em 2016. Muitos artistas – diretores, atores – tomaram posição contra a deposição da presidente Dilma Rousseff. Tudo se agravou em 2019, com a ausência de uma política cultural pelo governo de Jair Bolsonaro. Em vez de apoiar o cinema, ele fez o que pôde para dificultar a produção. Mesmo assim, foi um ano de consagração internacional, com os prêmios para Karim Aïnouz e Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, em Cannes, pelos filmes A Vida Invisível e Bacurau. No ano passado, por conta da crise sanitária, os cinemas fecharam, mas os diretores continuaram trabalhando e buscando alternativas de produção e distribuição. Festivais e lançamentos ocorreram online. O festival Olhares está sendo financiado pela Lei Aldir Blanc, criada para socorrer o setor cultural atingido na pandemia.
Projeção internacional
Valente conta que o fazer cinema, para ele, não é só realizar filmes. Como parte do seu doutorado, no Rio, ele tem dado aulas para uma turma de 40 alunos. Seu tema é a produção cultural e a resistência que se pode exercer em curadorias e festivais. Na semana que vem, seus alunos terão um encontro com Kleber Mendonça Filho. Estão entusiasmados – Kleber, por sua projeção internacional, virou referência para todo jovem que sonha fazer cinema no Brasil
Face às dificuldades, a produção brasileira atual divide-se entre produções comerciais, voltadas ao mercado, e um cinema exigente, independente e autoral. Essa segunda tendência é representada no festival por filmes como A Vizinhança do Tigre e Arábia, de Afonso Uchôa (o segundo é codirigido por João Dumans), Martírio, de Vincent Carelli, sobre os massacres de índios na fronteira paraguaia, Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes, A Cidade É Uma Só, de Adirley Queirós, Meu Nome É Bagdá, de Caru Alves de Souza, Luz dos Trópicos, de Paula Gaityán. Entre os curadores, estão Carol Almeida, que agrupou seus filmes preferidos sob a bandeira A Cidade e as Brechas Ocupadas, e Cleber Eduardo, Espaços Concretos de Vidas em Cinema.
Os dez, suas justificativas e escolhas, estão no site do festival. Cleber que, durante anos, fez a curadoria da Mostra Aurora, de Tiradentes, escreve: “Meu segmento enfatiza uma linha de força que conecta os modos de vida de personagens (A Vizinhança do Tigre, Baronesa, Um Filme de Verão, Diz a Ela Que Me Viu Chorar) com os espaços geográficos/sociais de suas vivências, amalgamando a vida das pessoas fora da tela e das personagens na tela, sem deixar de haver jogo e criação para os filmes, reelaboração da vida cotidiana por dentro da vida e no cinema, tensionando a autenticidade de corpos, espaços e falas com a elaboração cinematográfica, sem ter de formar pacto com a ficção ou o documentário, muito pelo contrário”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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