A ação do Cidadania se baseou em série de reportagens do Estadão, que demonstrou a engrenagem usada pelo governo para a distribuição de verbas extras para parlamentares da base de apoio, indo muito além das emendas individuais e de bancada. O mecanismo é a emenda de relator-geral, que tinha papel secundário na distribuição de recursos até o fim de 2019, quando o Congresso e o governo articularam a criação da versão turbinada desse tipo de emenda, chamada no jargão orçamentário de “RP 9”. O esquema encobre os verdadeiros autores das indicações de milhões de reais em obras e compras de máquinas, por exemplo, muitas vezes com preços acima da tabela de referência do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Em vez de critérios técnicos, ofícios genéricos de parlamentares que citavam “minha cota” e “recursos a mim reservados” carimbaram o destino de valores que, somados, passaram de R$ 3 bilhões apenas na pasta do Desenvolvimento. O escândalo ganhou o nome de “tratoraço”.
Na ação apresentada pelo Cidadania ao Supremo (uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou ADPF), o partido apontou violação à Constituição – especificamente, aos princípios da impessoalidade, da eficiência e da transparência, que devem ser regra na administração pública. O Cidadania indicou, ainda, o descumprimento da exigência de publicação dos critérios de distribuição dos recursos e pediu que o Supremo estabeleça “critérios inafastáveis de conduta a serem observados pelos Poderes no exercício de sua função normativa e administrativa”.
Assim, o Cidadania solicitou à Corte que suspenda a “execução das verbas orçamentárias constantes do indicador de resultado primário (RP) n° 09 ( ) da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, ou de qualquer outra despesa que não represente obrigação legal do Estado, até a edição de norma legal ou administrativa que preveja a transparência em relação às intervenções de agentes públicos e de terceiros”. A ação destaca, ainda, a importância de se observar “critérios objetivos e impessoais de distribuição entre beneficiários de recursos para a execução das políticas públicas”.
Recuo
Após a apresentação da ação, no entanto, o partido recuou, por pressão da sua própria bancada da Câmara, interessada em não fechar as portas para o direcionamento de verbas extras do orçamento, como foi feito no caso do “tratoraço”. Apesar das evidências de descumprimento de princípios da Constituição, o deputado Alex Manente (SE), líder do Cidadania na Câmara, enviou crítica da bancada ao presidente do partido, Roberto Freire, afirmando que não havia nada errado nas operações do orçamento. Como resultado do recuo do Cidadania, o senador Alessandro Vieira (SE), disse ao Estadão que irá se desfiliar do partido.
Rosa Weber descartou o fim da ação ao afirmar que “é firme a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que não produz efeitos a desistência de ação integrante do sistema objetivo de fiscalização da ordem jurídica”.
A ministra ainda não decidiu, porém, sobre o pedido de liminar apresentado pelo partido. Só o fará após analisar as respostas dos envolvidos. Rosa expediu requisições de informações ao governo e ao Congresso, com prazo de cinco dias. Determinou que, após essa primeira rodada de manifestações, sejam ouvidos o advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, em um prazo de cinco dias.
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou indícios de irregularidades na distribuição das verbas de emenda de relator-geral pelo governo, como mostrou o Estadão. O ministro do TCU Walton Alencar Rodrigues determinou que o Palácio do Planalto e o Ministério da Economia enviassem à Corte informações e os arquivos que detêm, como ofícios encaminhados por deputados e senadores com indicações para repasses.
Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) requisitou a seis ministérios do governo de Jair Bolsonaro informações a respeito do “tratoraço”. Os pedidos fazem parte de uma investigação preliminar da PGR, aberta a partir de representações de parlamentares oposicionistas que cobram a apuração de possível prática de crimes por parte de autoridades federais, incluindo Bolsonaro e o ministro Rogério Marinho. A Procuradoria também pediu ao TCU o compartilhamento dos documentos das apurações internas em andamento no tribunal sobre o tema.
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