Cada vez mais, a ciência entende que muitos dos fatores por trás do declínio cognitivo podem ser evitados a partir de hábitos saudáveis e um cérebro estimulado e ativo
Controlar certos fatores de risco pode reduzir a possibilidade de desenvolver demência quase pela metade. É o que aponta uma atualização do Lancet Comission on Dementia, publicada no último dia 10 de agosto no periódico The Lancet.
O documento reúne as últimas evidências sobre o tema e lista os 14 fatores mais importantes para um envelhecimento saudável. Também acrescenta duas novas condições envolvidas na perda cognitiva: o comprometimento da visão e altas taxas de LDL (conhecido como colesterol ruim), que não eram citadas no artigo anterior, publicado em 2020.
As recomendações vão ao encontro do que a ciência já conhece. “Sabemos que 45% dos fatores de risco para demência podem ser prevenidos”, diz a geriatra Thais Ioshimoto, do Hospital Israelita Albert Einstein. São hábitos e cuidados que devem ser implementados desde a infância e que, ao longo da vida, ajudam a formar a chamada reserva física e cognitiva capaz de reduzir danos vasculares e neurológicos.
Segundo o artigo, a prevenção da perda cognitiva começa ainda na infância, com acesso à educação. Uma das explicações é que esse estímulo está associado a maior eficiência ou menor declínio no funcionamento das redes neurais. Mas é possível manter o cérebro estimulado a vida toda.
“Um bom estímulo cognitivo envolve aprender coisas novas. Não adianta ficar fazendo as mesmas palavras cruzadas, pois o cérebro já se acostumou e não há formação de novas conexões neurais. É preciso aprender algo novo, como uma nova língua, um novo esporte, um novo jogo, tocar um novo instrumento musical”, orienta Ioshimoto. “Também é importantíssimo ter um propósito para a vida, como ver os netos crescerem, ser independente, realizar um sonho etc. Isso mantém o cérebro jovem e ativo.”
Também é preciso adotar bons hábitos, incluindo uma dieta saudável, fazer atividade física, não fumar e reduzir o consumo de álcool. “Fatores conhecidos para prevenção de doenças cardiovasculares também servem para a preservação da memória”, avisa a médica. Sabe-se que condições que aumentam o risco cardiovascular, incluindo doenças crônicas como diabetes, colesterol alto, hipertensão e obesidade, estão associadas a danos nas artérias do cérebro e derrames.
Por fim, é preciso cuidar também da saúde dos olhos e dos ouvidos. A perda auditiva foi associada a um aumento do risco de demência pois, além de privar de estímulos cognitivos, pode acabar levando ao isolamento social e à depressão, dois conhecidos fatores de risco para demência.
Já a perda visual pode ser decorrente de doenças como o diabetes. Daí a necessidade de cuidados ao longo da vida para prevenir esses comprometimentos, como check-ups periódicos, procurar afastar as causas desses problemas e fazer o tratamento adequado, inclusive com uso de dispositivos auditivos, se for o caso. Nos mais velhos, é essencial evitar o isolamento social, incentivando atividades em comunidade, por exemplo.
Os estudos mostram que todos esses fatores têm efeito protetor mesmo em portadores de genes associados à maior incidência de Alzheimer e em quem já tem alguma perda de memória. “Claro que quanto mais cedo começarmos, maior será o benefício”, diz a geriatra. “Mas nunca é tarde para começar.”
O novo documento também lembra o impacto a longo prazo dos traumas na cabeça e enfatiza o uso de capacetes e equipamentos de proteção ao pedalar ou praticar esportes de contato. As últimas pesquisas sobre o prejuízo da exposição à poluição também ganharam destaque, com recomendações sobre a importância de maior contato com a natureza.
Demência e o envelhecimento populacional
Estima-se que 57 milhões de pessoas vivam com demência em todo o mundo. Esse número deve chegar a 153 milhões em 2050, em grande parte devido ao envelhecimento populacional. De acordo com os especialistas, há potencial para reduzir esses números, mas isso envolve mudanças tanto do ponto de vista individual quanto de políticas públicas.
“É preciso mudar os hábitos de vida e isso nunca é fácil. As pessoas erram ao querer fazer todas as mudanças ao mesmo tempo e não conseguir sustentá-las no longo prazo. Por isso, recomendo começar com uma pequena mudança no seu dia a dia, pois isso vai levar a novas mudanças”, orienta Thais Ioshimoto. “Quando você muda uma pequena coisa e isso traz bem-estar, você se motiva para mudar mais coisas.”
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Do ponto de vista de políticas públicas, é preciso investir em boa educação desde a infância. Estudos mostram que pessoas com maiores níveis educacionais têm menor risco de demência, provavelmente pelo maior estímulo cognitivo, e o próprio documento do Lancet cita alguns desses trabalhos.
“Outras ações importantes seriam a conscientização da população sobre esses fatores de risco, criar facilitadores para uma vida saudável como maior acesso a alimentos saudáveis, incentivo à atividade física em todas as idades, centros de convivência para idosos, acesso aos serviços de prevenção de doenças, campanhas para cessação do tabagismo, entre outras”, sugere a médica.
Fonte: Agência Einstein
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