O conto foca um dia decisivo na vida de Sra. Jorge B. Xavier, uma mulher de classe média alta de 70 anos de idade e frequentadora de eventos culturais e sociais que se perde nos corredores do Estádio do Maracanã após errar o caminho para uma palestra.
Já fora dos corredores escuros do estádio, a personagem busca, desnorteada, o caminho de casa e, a muito custo, chega ao lar onde reavalia sua vida, sua sexualidade e intensifica sua paixão platônica pelo cantor Roberto Carlos. “Sempre adorei esse conto, e ele andava perdido nas prateleiras da minha cabeça. Revisitando a obra da Clarice, fui pensando em como seria bacana isso no teatro”, diz Nogueira, que imediatamente consultou o ator, diretor e dramaturgo carioca Leonardo Netto em busca de uma adaptação.
“O Leonardo escreve muito bem, e era preciso um texto muito delicado para adaptar essa história para a primeira pessoa”. Assim nasceu o espetáculo homônimo que estreia online neste sábado, dia 7, estrelando a atriz, cantora e ex-Frenética Sandra Pêra sob a direção de Ana Beatriz Nogueira e codireção de Clarisse Derzié Luz.
“Foi tudo muito natural. Um dia eu me encontrei com a Sandra, olhei pra ela e propus a leitura do texto. Ela gostou e aqui estamos, tudo muito simples e direto”. Sandra Pêra estreia o primeiro monólogo em cinco décadas de uma carreira tão vasta quanto diversificada.
A artista despontou para o estrelato em meados da década de 1970, quando compôs a formação original do grupo As Frenéticas, com o qual emplacou hits como Perigosa, Dancin’ Days e A Felicidade Bate à sua Porta, e, desde então, vem conciliando as carreiras na música e no teatro com uma sucessão de êxitos.
Só neste 2021, a artista encerrou hiato de mais de 30 anos sem gravar um disco solo com o lançamento de Sandra Pêra em Belchior (Biscoito Fino), álbum no qual, como o título entrega, aborda o repertório do compositor cearense Belchior (1946-2017). Agora ela mergulha no universo intenso de Clarice Lispector ao dar vida a uma figura introspectiva e de gestos contidos e delicados. Totalmente o contrário de sua personalidade expansiva.
“Eu tenho um metro e oitenta, sou uma pessoa de gestos largos, então eu tô penando com essa mulher que é contida, que fala baixo, que se descobre de dentro pra fora”, diz sob os elogios de Nogueira, que vê na montagem um exercício tanto para a atriz quanto para si própria. “Eu brinco que sou uma diretora amadora, então, essa peça nos dá a oportunidade de exercitar nosso ofício num momento de tantos desafios.”
À Procura de uma Dignidade é a estreia de Sandra Pêra no universo online, abarcando assim dois desafios: o monólogo e a ausência do público. “Eu sinto muita falta, porque os espectadores ajudam a moldar o espetáculo, e eu não vou tê-los. Na verdade, tudo é muito novo, e muito desafiador. Não só pela linguagem, mas pelo cenário que a gente vive. Nós não sabemos para onde vai o Brasil, e a cultura então nem se fala. Mas seguimos porque não temos como parar”, diz.
Nesta linha de pensamento surgiu o Teatro com Bolso que abriga o espetáculo. O projeto é o resultado de um período em que Nogueira idealizou e encabeçou, ao lado do produtor André Junqueira, a produção e programação digital do Teatro PetraGold, no Rio de Janeiro. Daí, surgiu o desejo de, utilizando recursos próprios, construir e equipar um teatro dentro de sua casa, também no Rio. Assim nasceu o Teatro com Bolso.
Nogueira investiu em luz, som e equipamento para transmissão online. Com preços populares, a programação tem como principal objetivo a democratização do acesso ao teatro, ainda que de uma forma remota. “Eu gostaria mesmo de poder fazer de graça para o Brasil todo”, afirma.
“Existem muitas pessoas que nunca foram a um teatro na vida, então elas teriam algum contato com o teatro, ainda que através de um aparelho de telefone. Elas teriam essa chance de conhecer o teatro, mesmo que respirando por esses aparelhos todos, porque dificilmente você vai chegar com sua peça no Piauí, mas online você exibe lá, e tem a chance de dar uma contrapartida de verdade, entende?”
“É um projeto com prazo de validade, e o que fica dele são as pessoas que eu fico amolando para fazer as coisas. Eu tento estimular, mas acho que acabo amolando”, diz. “Porque quando pudermos voltar a fazer teatro presencialmente vai ser essencial você já ter um espetáculo desenhado, com personagem, marcas, texto, então você já tendo um trabalho para estrear é um bem enorme que ninguém pode lhe tirar”, completa.
À Procura de uma Dignidade cumpre temporada de 7 de agosto a 26 de setembro, aos sábados e domingos, sempre às 21h. A transmissão acontece via Zoom e os ingressos custam R$ 10.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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