Caminhando a passos lentos, a campanha de vacinação contra a covid-19, que começou no Brasil em 18 de janeiro de 2021, e até agora registra apenas 8,3% de brasileiros totalmente vacinados, contemplou inicialmente os indivíduos mais suscetíveis à infecção e desenvolvimento de formas graves, que podem resultar em óbito pela doença, além dos trabalhadores da saúde e de outros serviços essenciais.
Com quantidade reduzida de doses e entrega irregular de novos lotes, infelizmente foram vacinadas até o o dia 19 de maio somente cerca de 17,5 milhões de pessoas com as duas doeses, número muito aquém do preciso para reduzir efetivamente a circulação do SARS-CoV-2 e controlar a pandemia.
O resultado é a presença de variantes mais transmissíveis e a incerteza sobre o potencial das vacinas em reduzir a transmissibilidade do vírus, tema em avaliação em diversos estudos, conforme uma nota publicada pela Sociedade Brasileira de Imunologia (SBIm). Essa situação não permite nem ao menos que os vacinados voltem às suas rotinas, renunciando de uma vez por todas as diretrizes preventivas.
Essa incerteza provavelmente foi o que desencadeou um movimento curioso: uma grande procura espontânea de pessoas que já foram vacinadas por testes sorológicos que comprovem a presença de anticorpos. Contudo, é importante ressaltar que os resultados dos testes disponíveis não apontam a imunidade pós-vacinal.
“A complexidade que envolve a proteção contra a doença torna desaconselhável a dosagem de anticorpos neutralizantes com o intuito de se estabelecer um correlato de proteção clínica, pois certamente não se avalia a proteção desenvolvida após vacinação apenas por testes laboratoriais ‘in vitro’ através da dosagem de anticorpos neutralizantes”, diz a nota.
A SBIm lembra ainda que dados de vida real evidenciam que até o momento não se tem observado casos graves e óbitos em indivíduos vacinados. “Ao contrário, os resultados de curto prazo que estão sendo disponibilizados por diversos países têm sido muito animadores na proteção contra formas graves e óbitos pela covid-19, independente da circulação das novas variantes”.
Conforme a Sociedade de Imunologia, alternativas vacinais para um melhor enfrentamento da pandemia estão sendo avaliadas, como mudanças na composição das vacinas para uma melhor proteção contra novas variantes que possam surgir, além de utilização de doses de reforços e vacinas multivalentes.
Para seus membros, o sucesso da vacinação depende fundamentalmente das coberturas vacinais, da eficácia das vacinas utilizadas e do respeito às medidas adotadas (usar máscara, manter o distanciamento social, evitar aglomerações e higienizar constantemente as mãos com água e sabão ou álcool em gel) até que o cenário mude “e se possa gradativamente vislumbrar uma melhora no retorno a uma vida normal”.
É sempre bom lembrar que as vacinas disponíveis no Brasil até o momento protegem principalmente contra casos moderados e graves e mesmo quem está com a vacinação completa, que recebeu as duas doses e já aguardou o tempo para a imunização produzir anticorpos, pode contrair o coronavírus e infectar outras pessoas.
Variante P1
A vigilância para detectar precocemente novas variantes do SARS-CoV-2 também é fundamental para que se possa avaliar as características antigênicas de novas linhagens e a capacidade de serem neutralizadas pelos mecanismos imunes desenvolvidos em vacinados ou pessoas que já foram infectadas.
Para a SBIm, está claro que as vacinas licenciadas pelos diferentes órgãos regulatórios se mostraram eficazes e seguras, o que já vem sendo demonstrado em países com processos de vacinação mais adiantados que o Brasil.
Porém, os estudos de avaliação de eficácia vacinal baseados em testes sorológicos têm demonstrado grandes variações em diferentes cenários epidemiológicos frente às diferentes vacinas, complicando ainda mais a interpretação dos resultados de mensuração de anticorpos neutralizantes no cenário de circulação das novas variantes.
Entre as mutações, a variante P.1, surgida em Manaus, causou um inesperado e rápido aumento do número de casos. Essa região já havia sofrido enorme impacto na primeira onda, e os testes sorológicos na população amazonense mostravam soroprevalência ao redor de 70% de positividade em outubro de 2020. Entretanto, a segunda onda, com início em dezembro de 2020, levou novamente ao colapso o sistema de saúde local, e dessa vez com taxas de mortalidade altíssimas. Essa variante se disseminou rapidamente pelo Brasil, dada as altas capacidades de transmissibilidade, e atualmente é predominante em muitas partes do Brasil.
Conforme a nota, o surgimento dessa, assim como de outras variantes, gerou a preocupação global de se avaliar eventual escape da resposta imune em indivíduos previamente infectados por outras cepas e até mesmo nos vacinados. A SBIm explica que, para as vacinas que utilizam unicamente a proteína S como antígeno, como é o caso da AstraZeneca, as mutações presentes nessa proteína, como acontece com a P.1, são preocupantes.
O teste laboratorial que se entende como o de melhor correlação com a situação “in vivo” se denomina teste de neutralização. Nele, mede-se a capacidade de o soro de convalescentes e vacinados impedir que os vírus, representando as diferentes linhagens, consigam invadir células em cultura, que são naturalmente suscetíveis a esta infecção. Os resultados de vários trabalhos com soro de vacinados com diferentes vacinas têm convergido para resultados que mostram uma redução da capacidade neutralizante para a variante P.1.
“Entretanto, sabemos que a resposta imune desenvolvida pela vacinação não depende apenas de anticorpos neutralizantes. Tanto a infecção natural quanto a vacinação estimulam o sistema imunológico de forma mais ampla, gerando também anticorpos não neutralizantes que agem de maneira diferente, e a estimulação de células TCD4+ e TCD8+ (imunidade celular), que exercem importante papel na proteção contra a covid-19. Um estudo que avaliou a resposta imune para as variantes de preocupação mostrou que a imunidade celular, diferentemente da resposta humoral, é pouco afetada. Além disso, aliada à resposta imune específica, contamos também com a imunidade inata, mais um mecanismo de proteção contra infecções”, tranquiliza a nota.