Priscila mora na Inglaterra desde os 20 anos. Chegou para trabalhar como voluntária em um projeto que cuida de crianças deficientes e com doenças terminais. Se apaixonou pelo país e, meses depois, mandou um e-mail avisando à família que não voltaria mais para o Brasil.
Antes de fazer faculdade de Paramedicina, formação que não existe no Brasil, trabalhou em restaurantes para se adaptar ao novo país e dominar a língua. A graduação foi concluída em 2014 e, no mesmo ano, ela conquistou um emprego no Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla em inglês).
O diploma não permite que Priscila trabalhe dentro de hospitais – o serviço dela é na rua. “Sou a primeira a chegar nos piores atendimentos. Meu trabalho é estabilizar o paciente antes da chegada da ambulância”, conta.
Quando recebe um chamado, tem até oito minutos para dirigir ao local da ocorrência. Com o coronavírus, o tempo para atendimento acabou aumentando. “Antes eu chegava no lugar e imediatamente já atendia o paciente. Agora preciso colocar todos os equipamentos de proteção. Muitas vezes as famílias não entendem essa demora.”
Outra mudança foi na quantidade de pacientes graves. Antes do coronavírus, estava acostumada a atender dois ou três óbitos por semana. No pior momento da pandemia, no início deste ano, chegou a presenciar cinco mortes por dia. “Você vai trabalhar e todo mundo morre. Vai para casa, dorme, toma banho, vai trabalhar de novo e mais uma vez todo mundo morre. É horrível”, diz.
Em todos os atendimentos, durante a pandemia inteira, ela nunca recorreu a remédios como cloroquina e ivermectina – e garante que seus colegas da saúde também não fizeram uso desses medicamentos. “Aqui não existe isso. Se você quiser usar o remédio para algum caso que não está descrito na bula, precisa fazer isso dentro de um estudo científico. O resultado precisa ser documentado e os dados serão analisados. Aí sim esse remédio vai ser indicado ou não”, explica.
Priscila conta que a forma com que o governo brasileiro vem lidando com a pandemia é muito malvista na Inglaterra e ela acaba virando motivo de chacota entre os colegas. “Todo dia eles me perguntam ‘o que o louco do teu presidente disse hoje?’. Não converso sobre política e, mesmo assim, esses comentários surgem”, diz.
Depois do lockdown, o alívio
Priscila conta que o sistema de saúde da Inglaterra chegou muito perto do colapso. O esgotamento da rede só não aconteceu, diz, porque o primeiro-ministro Boris Johnson decretou um lockdown no país inteiro no início de janeiro. O alto índice de vacinação também ajudou a diminuir o número de casos e as admissões em hospitais. “Sinto que finalmente nós estamos ganhando da covid”, fala.
“Eu sei que o Brasil não tem como entrar em lockdown total como aqui. Tem gente que precisa trabalhar para não morrer de fome. Só peço que essas pessoas saiam com consciência: use máscara, mantenha o distanciamento”, pontua.
Mesmo morando no exterior há quase duas décadas, a paramédica mantém um relacionamento forte com o público brasileiro através de suas páginas no Instagram e no Facebook, que somam 82 mil seguidores. Nesses canais, ela trabalha para combater a desinformação acerca da pandemia e para conscientizar as pessoas.
Priscila começou um projeto chamado #DerrubeAsFakeNews com cerca de 20 colegas. O grupo “coleta” notícias falsas que circulam nas redes sociais, estuda a origem do boato e cria conteúdo em cima disso. “A ideia não é desmentir alguma coisa específica, mas trazer informações verdadeiras sobre aquele assunto”, explica. Dessa forma, sem “bater de frente” com a audiência, ela acredita que consegue alcançar as pessoas mais negacionistas.
Na sua visão, o trabalho vem dando certo. Muitas pessoas que não queriam tomar a vacina mudaram de ideia acompanhando as suas postagens e contam isso a ela. “Se eu só atacar, vou perder as pessoas que são ‘do contra’. E é com eles que preciso falar.”
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