Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla*
Corria o ano de 1948, mais precisamente o dia dez de dezembro, ocasião em que o mundo recém tinha saído de uma barbárie global, a Segunda Guerra Mundial, foi então adotada pela Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ela tem sido desde então uma base para todos os direitos humanos básicos; nesse documento de grande impacto, a expressão “todo ser humano”, ocorre dezenas de vezes e tal feito não é para menos, pois até então os seres humanos foram atacados em todas as suas estruturas, (não que isso tenha desaparecido depois do surgimento de tal declaração). Já a palavra “deveres” aparece uma única vez e de modo bastante vago nessa declaração. Tal declaração revela um momento histórico muito peculiar na aventura humana, onde até então milhões de seres humanos tinham padecido de muitas crueldades.
O século XX viu florescer em todas as frentes uma luta cada vez maior pelos direitos, um dos que mais lutou para que os direitos fossem amplamente reconhecidos, foi Norberto Bobbio (1909-2004), ele percebeu com maestria que o tema direitos do ser humano são na sua grande maioria uma conversa vazia e muitas vezes não refletindo as várias situações humanas a nível global. Os direitos humanos chegaram e chegam após muitas lutas, muitas delas inclusive com alto teor trágico; chegamos ao século XXI com muitas indefinições sobre esses direitos, estamos vendo a cada dia um aumento de direitos, muitos deles até então impensados num passado recente, eles estão presentes em todos os regimes governamentais, em dadas situações caso não sejam eles realmente efetivados, o futuro da humanidade correrá sérios riscos, portanto as gerações futuras estão sim ameaçadas.
Fomos desde sempre levados inocentemente a acreditar que somente os seres humanos possuem direitos, que somente eles merecem todo respeito e consideração, que somente aos seres humanos foi dada a chave da vida, mas nem por isso todos os direitos que foram surgindo se tornaram amplos e para todas as camadas sociais, fácil é constatar que uns tem mais direitos do que os outros, que o direito de “a” é muito diferente do direito de “b”. Muitos propagadores de direitos e ainda mais, defensores da “democracia” foram justamente aqueles que mais mataram e invadiram países sem nenhuma razão plausível, foram inclusive petulantes ao extremo em ditar quais direitos merecem vir à tona e outros desaparecer; esses mesmos ditadores de direitos foram e são aqueles que mais causaram estragos ao meio ambiente e que agora se dão ao luxo de imporem medidas de urgência.
Mas eis que de uns tempos para cá uma outra categoria de direitos se impõe sobre tudo e todos, trata-se dos direitos da natureza, da nossa mãe Terra, o lar em que todos habitam desde sempre, a casa comum que tudo nos propicia para existirmos. Sabemos por experiência própria que o direito se apropriou ferozmente dos bens comuns produzidos pela mãe Terra, esse direito calcado somente na razão humana e ainda mais com a razão instrumental se achou o único dono, o único capaz de colocar a Terra de joelhos perante a vontade dos humanos. Foram os humanos que introduziram na Terra o direito a destruição, a devastação, a pilhagem, foram e continuam sendo os humanos os grandes responsáveis a terem direito de propagar todo tipo de destruição por onde quer que passem; o direito ao progresso, diminuiu em muito o direito de uma vida digna, a um meio ambiente saudável.
Aqui no Brasil, onde praticamente tudo se copia, não foi muito diferente em relação aos direitos, hoje de modo bastante tímido começamos a falar em direitos da natureza, são raríssimas as mobilizações e as falas para que isso ganhe corpo na sociedade, ainda estamos muito presos em “nossos direitos”, enquanto nossos deveres são abafados e empurrados para salas vazias e escuras da nossa consciência. A natureza como um todo clama nesse momento único da história que ela precisa ser respeitada, que ela precisa existir, que contaminada por todo tipo de poluição ela adoece e vai para a UTI. A natureza também nos diz que no seu interior não precisa haver alteração genética de nenhum tipo, que ela também precisa de descanso para renovar suas forças e assim produzir mais e melhor; ambos os destinos humano e da natureza estão entrelaçados por muitos caminhos.
Bioeticamente, a natureza no seu todo vive um momento único hoje, ela passa por grandes privações e também provações, ela continua sendo para muitos um ser estranho no caminho da humanidade, algo que continuamente precisa ser domada a todo custo, os velhos mantras de mais e mais desenvolvimento para se ter mais qualidade de vida continua sendo uma boa moeda de troca, mas que em muitas situações tem se revelado um tremendo fracasso. Timidamente começamos a tomar consciência que tudo está ligado a tudo e que uma falha num determinado setor poderá ocasionar um apagão de proporções totalmente desconhecidas por nós, embora tenhamos a ilusão de que tudo podemos resolver num curto espaço de tempo. Admitir seriamente que a natureza possui direitos vai levar ainda muito tempo, tempo que poderá se tornar tarde demais dependendo o ângulo que se tome a questão; somos lentos demais em admitirmos que temos muitos deveres para com o meio ambiente e rápidos demais em acharmos que temos direitos em tudo.
*Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR;
*Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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