Os ministros Gilmar Mendes, relator do habeas corpus apresentado pelo senador, Ricardo Lewandowski e Kássio Nunes Marques votaram para invalidar quatro relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e as provas levantadas a partir deles, incluindo dados da quebra de sigilo do senador. O colegiado decidiu anular os documentos produzidos com base em pedidos específicos do MP e sem supervisão judicial.
Sem os relatórios do Coaf, o caso das rachadinhas deve voltar ao estágio inicial. Isso porque o inquérito foi aberto com base nos documentos, que subsidiaram as etapas seguintes do trabalho de apuração. Na prática, a expectativa é que a decisão da Segunda Turma tenha um efeito cascata sobre a investigação que mira suspeitas de desvios de salários de funcionários fantasmas.
O entendimento da maioria da Segunda Turma foi o de que, por terem sido iniciadas antes da instauração formal do procedimento de investigação, as apurações são ilegais. Para os ministros, o MP deveria ter comunicado o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) antes de agir.
Em seu voto, Gilmar Mendes disse que as provas foram obtidas ‘ao arrepio de autorização e supervisão’ da Corte fluminense.
“O poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de atingir inevitavelmente direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle”, afirmou. “O TJ era o juiz natural para supervisionar as referidas investigações, tendo em vista a apuração de crimes envolvendo deputado estadual no exercício de suas funções, posteriormente eleito senador”, acrescentou.
Em sua avaliação, o MP deveria ter ao menos notificado a Justiça do Rio antes de solicitar a produção de novos relatórios de inteligência financeira. O primeiro RIF, que deu origem ao inquérito das rachadinhas ao apontar movimentações suspeitas do ex-assessor Fabrício Queiroz, foi considerado regular pelos ministros por ter sido gerado espontaneamente. A Segunda Turma, no entanto, viu problemas nos documentos subsequentes, elaborados com base em pedidos do MP, justamente por terem sido ‘encomendados’. O colegiado julgou que, mesmo nos casos em que o procedimento é realizado a pedido dos investigadores, é necessário que o Coaf siga os mecanismos usados em relatórios produzidos de forma espontânea.
“No caso em análise, há a ocorrência de fish expedition a partir do momento em que o MP e o Coaf passaram a produzir relatórios de inteligência e outras provas contra o paciente antes mesmo de sua inclusão no polo passivo do procedimento investigativo criminal”, criticou Gilmar.
Ao atender os pedidos do MP, o Coaf analisou as contas bancárias de Flávio para obter detalhes das operações praticadas em seu gabinete que ainda não constavam nas informações do relatório inicial. Foram analisados seus rendimentos mensais, dinheiro recebido por meio de transferências, movimentação nos cartões de créditos e outros dados relacionados ao pagamento de um imóvel financiado.
“Estes relatórios não devem ser considerados, portanto devem ser anuladas essas peça tendo em conta que foram produzidas sob encomenda do Ministério Público do RJ antes da prévia formalização da investigação contra o ora paciente”, declarou o ministro Ricardo Lewandowski.
Isolado na divergência, Fachin votou para manter de pé os elementos que na prática embasam a denúncia oferecida contra o senador, por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
“Não há comprovação alguma da alegada fishing expedition, porque tais dados já constavam do repositório de informações do Coaf”, defendeu. “O que se tem nos autos inviabiliza o reconhecimento de qualquer mácula nos pronunciamentos e procedimentos das cortes antecedentes na condução da marcha processual.”
O dia foi de vitórias para Flávio Bolsonaro no STF. Antes de anular as provas, a Segunda Turma rejeitou um recurso movido pelo MP do Rio e manteve a decisão da Justiça fluminense que garantiu foro privilegiado ao senador e transferiu o inquérito das rachadinhas para a segunda instância. A maioria dos ministros entendeu que a reclamação não poderia ser reconhecida porque o órgão perdeu o prazo para recorrer da decisão junto ao Tribunal de Justiça do Estado.
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