Sempre bem algum lugar

            Amamos a liberdade, mas ela nos escapa a todo momento, quem de nós em sã consciência pode dizer que é livre de modo irrestrito? A todo instante somos invadidos por forças muito maiores do que nós, não é nenhum absurdo escutarmos que a cada dia que passa estamos mais analfabetos em muitas questões, a cultura do excesso e do imediato nos causam muito mais prazer do que qualquer outra coisa, não paramos um segundo sequer para meditarmos que toda hybris é um veneno criado por nós mesmos e mesmo assim acreditamos piamente que somos livres, o mundo perdeu a paciência, ele tem sido incapaz de compreender que tudo aquilo que se pode fazer, nem sempre é conveniente fazer; a pirotecnia atual abre um abismo em nós, nos consome de tal maneira que o que realmente importa é esquecer tudo, no mais das vezes parecemos com um poço sem fundo.

            O belo tempo do Natal de 2024, está sim em entre nós, mais uma excelente ocasião para uma reflexão profunda de como anda a nossa crença nas pessoas, no mundo em geral. Nossa esperança está bem alicerçada ou está cada vez mais periclitante, rodeada por um mar gigantesco, revolto a todo instante? Onde depositamos a nossa força, nossa fé? Quem realmente tem valor hoje? No mais das vezes a famosa Black Friday nos convida para passatempos da mais alta insignificância, mesmo que muito não tenham o dinheiro necessário, cada um é instado a não ficar de fora, surfar a onda em linhas gerais é o que importa, mesmo que para isso se passe os próximos doze meses apenas sobrevivendo e não vivendo; nossa era é a era das mais profundas e bestiais contradições colossais; como nos escreveu belamente Camus, “o homem absurdo é aquele que não se separa do tempo”.

Eis o grande desafio hoje para qualquer um de nós, viver o tempo presente em toda a sua integridade, beleza e também a sua constante fragilidade, seus dilemas cada vez mais plurais e com consequências ainda muito imprevisíveis, são tantos modelos que nos são propostos para seguirmos como sendo o melhor caminho, num mundo que privilegia sobremaneira a liberdade, sentimos que ela nos falta, que não conseguimos respirar, falar, ouvir ou mesmo enxergar direito; revoluções silenciosas que cada um vive só para si, enfrenta tudo sozinho. Não é nenhuma novidade que o século XXI, carregado de “escolas”, também lançou de vez as bases para a escola da solidão, por outras palavras, você pode ter tudo ou pode não ter nada, a pessoa é apenas mais uma no meio da multidão, interessa sim os cifrões, os números, as estatísticas, no mais das vezes, o ser é apenas um errante.

Num passado muito recente, Donatella Di Cesare, filósofa italiana, num pequeno artigo fez ponderações pertinentes sobre a era que está se findando e a outra que aí está, recém nascida, ainda um tanto quando nebulosa, sem uma identidade definida, mas que vem mostrando as suas credenciais, um novo tempo atravessado pela solidão, embora esse tempo seja carregado de conquistas formidáveis, por outra via, podemos afirmar que o que nos destrói de tempos em tempos são sempre as nossas conquistas e não os nossos fracassos, embora tenhamos sempre a vergonha necessária de não nominá-los, pois isso, pensamos no mais íntimo de nós, seremos tidos como pequenos e fracos diante dos outros. Recolher-se, ficar a sós, não é de todo ruim, em muitas situações é um bom remédio para se curarem muitas feridas, mas uma reclusão exagerada, é nociva, prejudicial, afeta tudo.

Bioeticamente, no enlouquecido mundo atual da insensatez, procurar ser sensato e flexível pode soar estranho para aqueles que adotaram o tudo ou nada, a vida ou a morte, o zero ou o cem, como medidas de suas escalas de valores, buscar a normalidade da vida parece à primeira vista um caminho difícil, sem volta. Nosso mundo precisa muito da nossa ajuda, mesmo que essa seja pequena, podemos contribuir de algum modo, chega dos propagadores de genocídios abertos e televisionados a todo momento, chega daqueles que são propagadores de tanto ódio contra o outro, contra o meio ambiente. Que cada um de nós também possamos vencer os constantes genocídios silenciosos que propagamos, muitas vezes sem querer, isso em família, no trabalho, na sociedade em geral; que esse belíssimo tempo de advento seja propício sim para recuperamos tantos tempos perdidos. 

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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