Foi em um centro para crianças desamparadas em Kinshasa, capital do país, que o garoto descobriu o judô e se fascinou pelo esporte que lhe deu serenidade e disciplina. Ao longo dos anos, foi ganhando destaque até que chegou ao Mundial de 2013, no Rio de Janeiro. Misenga, então, aproveitou o torneio e pediu asilo político ao Brasil, alegando que os treinadores de onde veio submetiam os atletas a maus tratos e usavam o dinheiro das disputas para fazer turismo.
Em Tóquio, Misenga participará de sua segunda Olimpíada como membro da equipe de refugiados do Comitê Olímpico Internacional (COI). Se nos Jogos do Rio, em 2016, ele caiu nas graças da torcida na Arena Carioca por causa da sua identificação com a cidade – treinava na escola de judô do Instituto Reação -, no Japão o ambiente será bem diferente devido ao veto ao público no evento por causa da pandemia. A empolgação de Misenga, no entanto, é a mesma de cinco anos atrás no Brasil.
“A Olimpíada do Rio entrou para a história, meu nome está no livro. Meus descendentes vão abrir, ver meu nome lá e poderão dizer: ‘meu pai, meu avô, meu bisavô esteve em uma Olimpíada.’ Não é para qualquer atleta disputar duas edições olímpicas. Estou feliz e orgulhoso.”
Depois de contar com dez atletas no Rio, a equipe de refugiados quase triplicou para os Jogos de Tóquio. Serão 29 competidores de 11 países e 12 modalidades, que vivem e treinam em 13 nações. São atletas que representam 26 milhões de refugiados em todo o mundo, pessoas que foram forçadas a deixar seus países por causa de guerras, violações de direitos humanos e perseguições.
Para chegar ao Japão, o time de refugiados enfrentou um contratempo de última hora. Durante o período de treinamentos no Catar, um dos integrantes testou positivo para a covid-19. Assim, a equipe teve de permanecer em Doha por mais alguns dias. A viagem, que estava inicialmente programada para quarta-feira da semana passada, só ocorreu na madrugada de domingo, no mesmo voo que também trouxe a reportagem do Estadão a Tóquio.
Nesta sexta-feira, durante a cerimônia de abertura, a equipe de refugiados levará a bandeira olímpica e será a segunda delegação a desfilar, logo atrás da Grécia, fundadora dos Jogos na Antiguidade. Caso algum integrante conquiste uma medalha, na cerimônia de premiação será hasteada a bandeira olímpica e o hino olímpico será tocado. Não há atletas de destaque entre eles.
Quando decidiu antes do Rio-2016 incluir nos Jogos uma equipe de refugiados, o COI tinha o objetivo de mostrar o esporte como uma ferramenta capaz de promover a inclusão social. A aceitação da comunidade olímpica foi enorme. Misenga e outros 51 competidores espalhados pelo mundo treinam com recursos da Bolsas para Atletas Refugiados da Solidariedade Olímpica.
“A participação de atletas refugiados na Olimpíada e na Paralimpíada de Tóquio nos orgulha pela representatividade de chegarem onde estão, realizando seus sonhos por meio de seus esforços. Essa determinação é muito comum às pessoas refugiadas, atletas ou não, que foram forçados a deixar seus países de origem e buscam reconstruir suas vidas com dignidade. Basta uma oportunidade para mostrarem do que são capazes”, afirma Federico Martinez, representante adjunto do Acnur (Agência da ONU para Refugiados) no Brasil.
Ao conhecer a história de Misenga, fica mais fácil entender a força de vontade dele para que a Olimpíada de Tóquio não seja o seu ponto final dentro dos Jogos. “Os refugiados que conheci não tinham muitos sonhos. Eu ainda quero ir a Paris-2024. Sou muito dedicado ao esporte. Não bebo, não fumo, vivo treinando todos os dias. Quando você entende os princípios do que é ser atleta, vai mais longe. Então, sempre que pensar em mim, acredite. Mesmo com tudo que passei, consegui chegar. Não é porque é refugiado que você não pode fazer uma coisa.”
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