O uso de smart drugs, também conhecidas como drogas inteligentes, vem crescendo entre estudantes e profissionais que buscam aumentar foco, concentração e produtividade. Embora apresentem efeitos estimulantes, especialistas alertam que esses medicamentos podem causar dependência, efeitos colaterais e desequilíbrios sociais em quem os utiliza sem prescrição médica.
Essas substâncias incluem fármacos como metilfenidato (Ritalina, Concerta), lisdexanfetamina (Venvanse) e modafinila (Provigil), originalmente indicados para o tratamento de TDAH e narcolepsia. Também entram nesse grupo os nootrópicos clássicos, utilizados em casos de demência, AVC e envelhecimento, além de suplementos como cafeína, ginseng e creatina.
Crescimento do uso e impacto nas universidades
Um estudo da Universidade de Exeter, realizado durante a pandemia de Covid-19 e publicado na revista Frontiers in Psychology, analisou 736 estudantes e funcionários no Reino Unido. O levantamento apontou um aumento de 42% no uso de modafinila e de 30% no consumo de nutracêuticos em altas doses.
“O efeito dessas substâncias em pessoas saudáveis é geralmente pequeno e passageiro, longe da ideia de um remédio que aumenta a inteligência”, afirmou Luiz Zoldan, psiquiatra e gerente médico do Espaço Einstein de Saúde Mental e Bem-Estar do Hospital Israelita Albert Einstein.
A neurocientista Barbara Sahakian, da Universidade de Cambridge, destaca que, embora a modafinila possa melhorar a flexibilidade cognitiva e reduzir a impulsividade, os ganhos são modestos e requerem mais estudos para confirmar a segurança a longo prazo.
História e avanço das substâncias de estímulo
Desde tempos antigos, povos utilizam compostos naturais em rituais e práticas espirituais com o objetivo de expandir as capacidades mentais. Um editorial da revista eClinicalMedicine, vinculada à The Lancet, cita a descoberta de uma tumba milenar nos Andes, onde um xamã foi enterrado com plantas como coca e alucinógenos — evidência da busca ancestral por desempenho mental ampliado.
Com o avanço da medicina no século 20, surgiram os compostos sintéticos. O metilfenidato, criado na década de 1950, foi o primeiro medicamento voltado ao TDAH, seguido da modafinila nos anos 1990 e da lisdexanfetamina, usada também contra compulsão alimentar.
De acordo com o NHS, sistema público britânico, a prescrição desses estimulantes cresceu 32% entre adultos e 12% entre crianças entre 2021 e 2023. No Brasil, uma pesquisa de 2019 revelou que 5,8% dos universitários já usaram metilfenidato para “melhora cognitiva”, e 41% o consumiram nas quatro semanas anteriores ao estudo.
Efeitos, placebo e falsa produtividade
Pesquisas da Universidade de Melbourne, publicadas na Science Advances, indicam que, embora essas substâncias aumentem o esforço mental, reduzem a qualidade do desempenho. Segundo Fabiano Moulin de Moraes, neurologista da Unifesp, a dopamina liberada por essas drogas gera sensação de engajamento, mas não melhora a atenção real.
O uso sem acompanhamento médico pode causar insônia, ansiedade, palpitações e perda de apetite, além de alterações de humor, dependência e risco cardiovascular. “Em vez de aumentar o desempenho, o uso recorrente pode criar um ciclo de falsa produtividade, sacrificando a saúde mental e o equilíbrio físico”, alerta Zoldan.
Dilemas éticos e desigualdade de acesso
O acesso desigual às smart drugs levanta questões éticas semelhantes ao doping esportivo. “Em exames ou ambientes competitivos, o uso dessas substâncias pode representar uma forma de trapaça”, afirma Sahakian. Ela defende restrições severas para crianças e adolescentes, cujas funções cerebrais ainda estão em desenvolvimento.
Moulin ressalta que esse contexto reflete uma sociedade focada na produtividade, o que leva muitos jovens a se sentirem obrigados a acompanhar o ritmo de colegas que usam estimulantes. Ele sugere resgatar valores como sono de qualidade, atividades físicas e espiritualidade como formas de aprimoramento sustentáveis.
Regulação e perspectivas
A linha entre tratamento médico e aprimoramento cognitivo ainda é tênue. Nos Estados Unidos, a FDA aprovou a modafinila para o tratamento do Transtorno do Sono no Trabalho em Turnos, com resultados positivos em segurança ocupacional. Já no Reino Unido, não há autorização formal para esse uso.
Enquanto o debate regulatório avança lentamente, persistem desigualdades: quem tem recursos acessa as substâncias com facilidade, enquanto os demais ficam à margem. Para os especialistas, investir em hábitos saudáveis e intervenções psicológicas continua sendo o caminho mais seguro para fortalecer o cérebro.
- Fonte: Agência Einstein