Por R. Colini
O escritor é aquele estranho sujeito que, caminhando por um jardim perfumado, repara em um discreto cheiro de estrume. Ou que, em meio ao esgoto, percebe uma humilde flor que ali nasce.
Livros são feitos sobre esses desencontros e perplexidades, sendo errado achar que as distopias são profecias, quando, na verdade, nos alertam. O desconforto é apenas maneira de dizer que o mundo poderia ser melhor, poderia ser justo, poderia ser compreendido.
Sobre isso, Fernando Sabino foi magistral quando disse em Um Encontro Marcado, “…como se você procurasse atingir o bem negativamente, esgotando todos os caminhos do mal. É preciso ter pulso, é preciso ter estômago”.
Não há nada no mundo que possa proporcionar maiores defesas intelectuais do que o livro. E não vamos aqui confundir essa palavra – intelectual – com vida acadêmica, mestrados, essas coisas.
Defesa intelectual é tanto mais necessária quanto mais humilde for a pessoa. A capacidade de ler é aquela que mais revela o conhecimento do mundo e a possibilidade de transformá-lo.
Há um tempo, uma secretária de educação orientou uma atividade na qual os alunos teriam que responder à pergunta “Para que serve ler e escrever?”. Os dirigentes queriam que os professores fizessem uma abordagem emotiva, que levassem os alunos a refletir sobre amizade, solidariedade e futuro, quando tudo isso está mais longe que Marte da realidade de muitos deles.
Uma amiga professora subverteu a atividade. Ela disse o seguinte aos alunos, que em sua maioria viviam em cortiços e invasões: “É importante ler e escrever para que ninguém possa enrolar vocês”. É uma colocação linda em sua simplicidade; é ferramenta de defesa intelectual.
Com o Dia Nacional do Livro (29 de outubro) próximo, faço uma homenagem às professoras e aos professores que utilizam a literatura como ferramenta de emancipação e resgato uma citação atemporal de Fernando Pessoa: “Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma”.
Escritor, autor do livro “Curva do Rio”