A peripécia do futebol tomou conta do Planeta, esquecemos com facilidade do cotidiano assolado por pequenas e grandes rupturas, simples seres humanos que praticam uma arte esportiva dentro de quatro linhas são transformados em semideuses e às vezes no próprio Deus, todos nós sabemos que ali dentro do gramado são pouquíssimos aqueles jogadores que estão defendendo de corpo e alma o seu país, em cada jogador paira um sem número de interesses, raramente um ou outro jogador tem condições para falar sobre qualquer outro assunto que não seja futebol, até o presente momento a copa do mundo com trinta e duas seleções não fez um apelo para colocar fim à guerra da Ucrânia, enquanto que outras causas já foram abordadas, mesmo que timidamente; enquanto rola a copa, também estão rolando os dados de sobre como o mundo ficará em pouco tempo retalhado.
Interessante, após o belo início desse torneio futebolístico, certas situações foram muito rapidamente esquecidas, nenhum comentário, absolutamente nada, alusão zero, nos gramados a mesma cena, as equipes ao entrarem no campo mencionam outras realidades que estão atormentando o mundo, manifestações legítimas com toda certeza, notamos que em alguns jogos torcida e jogadores não cantam o hino nacional ou fazem gestos de rebeldia contra governos opressores e por aí se vai. Mas absolutamente ninguém fez um gesto para se pedir a paz no mundo, que cessem todas as guerras e muito especialmente a invasão covarde e criminosa da Rússia na Ucrânia; tantos gestos por outras causas, mas pela causa maior que é a sobrevivência da humanidade, o silêncio é ensurdecedor; ao efêmero berros, gritos, um falso patriotismo de última hora, assim uma vida longa ao caos.
Quando a copa do mundo acabar, então os problemas não resolvidos pelos países estarão entre nós novamente, vão abarrotar as capas de jornais, revistas mundo afora e os diversos meios de comunicação, vão deixar todos e todas em polvorosa; a guerra na Ucrânia ainda não foi capaz de nos mobilizar como deveria, apesar de tanta violência contra os inocentes, destruição em massa das cidades, as imagens horrendas da criminalidade russa para com os ucranianos, nada disso foi capaz de mobilizar a opinião pública mundial. O sono eterno que nos acompanha, com ele facilmente esquecemos que o que pode dar errado lá na Ucrânia pode afetar a todos num piscar de olhos e muitas coisas lá pode a qualquer momento fugir do controle humano; a humanidade quando ameaçada sempre chega atrasada, apesar de tantos sinais, ela adora empurrar tudo com a barriga, mais fácil.
Essa mesma Ucrânia, lá no ano de 1986 foi também palco de uma das maiores tragédias nucleares, após Hiroshima e Nagasaki em 1945, isto é, em Chernobyl ocorreu a explosão de um dos reatores, despejando pelo céu da Europa uma nuvem radioativa imensa, o número de mortos humanos e extra-humanos, até hoje é incalculável, tal desastre se deu num tempo de “paz”. Hoje, 2022, uma guerra que está prestes a completar um ano, a situação é muito pior, ou seja, outra usina nuclear, a de Zaporijia, a maior usina nuclear da Europa continua operando, mesmo com tiros, bombas e mísseis caindo bem perto dela dia e noite, no momento atual ela é controlada por forças russas. Há muitas guerras sendo travadas na Ucrânia, aquela com armas, cujo poder destrutivo é aterrador, há a guerra de versões, a guerra política, a guerra de interesses econômicos, quem sabe a terceira guerra.
O mundo conectado está brincando com o fogo e isso não de agora, numa sociedade que julga que tudo tem um preço, mas nada tem valor, ou até mesmo ”num mundo em que tudo vale, porque nada vale de fato”, Zaporijia fica muito longe de nós, nossa sociedade é bombardeada por tantas propagandas enganosas (o futebol é uma delas), perde sua força de reação, isso ficou muito claro quando da vinda do ser invisível, imaginemos então o que acontecerá com a população se chegar a ser liberado o inferno de Dante. Eclipsar a razão num momento tão importante da história humana não parece ser a melhor saída, dar vazão apenas à comemoração porque uma entidade assim o quer, não nos trará sossego, antes seremos cada vez mais atormentados quando algo der errado e fizer parte do nosso cotidiano; por outras vias, o surto do mal que nos assola precisa ser contido por todos nós.
Bioeticamente, uma arma qualquer jogada no coração da usina nuclear de Zaporijia, terá consequências incalculáveis sobre todos, o meio ambiente, o comércio mundial, as populações, que hoje ninguém é capaz de prever, essa agressividade perversa perpetrada por algumas nações que se consideram as donas do mundo é algo abominável; as maiores tramoias políticas revestidas de boas intenções que a todo momento são realizadas não tocam os problemas reais nem de longe, acreditando-se nas atuais concepções de vida, que é o domínio quase que absoluto do econômico, os mais fracos sendo a todo momento pisoteados, o meio ambiente negligenciado, que uma ou duas nações devem mandar no mundo, se tudo isso e muito mais persistir, então não haverá uma saída concreta, o labirinto atual onde todos estamos dentro apenas nos mostrou a entrada e quem entrou nele se perdeu na primeira curva. Tudo ao nosso redor perde a solidez porque acreditamos demais que existiria um futuro promissor logo ali, plantamos progresso e colhemos sim incertezas.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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