Solidariedade no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária

Famílias do Sudoeste recebem alimentos produzidos por trabalhadores acampados e assentados da Reforma Agrária

Neste sábado (17), completa 25 anos do Massacre do Eldorado dos Carajás. A data é uma forma de homenagear os 21 trabalhadores rurais Sem Terra assassinados e outros 69 mutilados por policiais militares do estado do Pará, tornando-se o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Como tradição, durante esse mês [denominado como Abril Vermelho], o Movimento Sem Terra (MST) intensifica as ações já realizadas no decorrer do ano, sendo que dessa vez 14 municípios do Paraná recebem doações de alimentos, produzidos por famílias acampadas e assentadas da Reforma Agrária.

No Sudoeste, a entrega será hoje à tarde para cerca de 70 famílias da periferia de Pato Branco. Segundo a coordenadora estadual do MST, Bruna Zimpel, pelo menos 15 dessas famílias têm membros enfrentando o câncer. Por isso, os alimentos serão entregues para fortalecer a imunidade dessas pessoas, em situação de vulnerabilidade.

Ao todo, aproximadamente 2.000 quilos de alimentos [entre feijão, mandioca, batata doce, hortaliças, temperos e frutas] serão entregues a essas famílias. Tudo isso, oriundo de doações dos acampamentos Terra Livre e Mãe dos Pobres, situados em Clevelândia; do acampamento Sete Povos das Missões, de Honório Serpa; além de uma horta coletiva de Renascença.

“As partilhas de alimentos produzidos por famílias acampadas e assentadas da Reforma Agrária são a marca do Abril Vermelho deste ano, no Paraná. As doações ocorrem em solidariedade a quem sofre com a falta de comida na mesa neste período em que a pandemia do coronavírus atinge números cada dia mais alarmantes”, explica a coordenadora.

Ela destaca que cada uma das doações é organizada em diálogo com igrejas, setores do poder público municipal, movimentos sociais e entidades urbanas. Além disso, todos os protocolos de prevenção à covid-19 são seguidos para a realização das doações.

Sudoeste

Na região, há em torno de 3.000 famílias assentadas, distribuídas entre os municípios de Clevelândia, Honório Serpa, Mangueirinha, Palmas, Coronel Domingos Soares, Francisco Beltrão, Marmeleiro e Renascença.

Bruna informa que as primeiras ocupações no Sudoeste ocorreram no assentamento Eduardo Raduann, em Marmeleiro, no ano de 1983, pelo Movimento dos Agricultores Sem Terras (Mastes); e no assentamento Vitória da União, em Mangueirinha, no ano de 1984 — esta, inclusive, foi a primeira ocupação do Movimento Sem Terra (MST).

Quanto à educação, a coordenadora afirma que há duas escolas em áreas de Reforma Agrária na região: no assentamento Missões, em Francisco Beltrão; e Paraíso do Sul, em Palmas.

Sobre os títulos das terras, Bruna relata que há várias situações em que assentados já possuem título definitivo. “Outros ainda estão com o Contrato de Direito Real de Uso (CDRU), que garante à família a exploração da área e o acesso às políticas públicas da mesma forma que o título definitivo”.

Partilha

Ao contrário do que alguns imaginam, o MST não ocupa simplesmente terras. Mais do que isso, utilizam essas terras para o seu próprio sustento, bem como auxiliam a comunidade, em situações como a ação que está ocorrendo no Abril Vermelho.

“Desde o início da pandemia temos encontrado nas ações de solidariedade uma forma de contribuir com a sociedade, doando alimentos para as famílias em situação de vulnerabilidade social, bem como dialogando com a sociedade sobre a importância da Reforma Agrária”, diz Bruna.

Ela conta que, no Sudoeste, várias áreas de assentamento e de acampamentos têm contribuído com alimentos. “Cada família doa o que tem possibilidade. Depois tudo é concentrado em um espaço e preparado para doação. As famílias beneficiadas são escolhidas a partir de contatos com entidades, associações ou pessoas referências dos bairros”, acrescenta a coordenadora, lembrando que entidades também são beneficiadas.

Da esquerda para a direita: Daiane, Ivo e Luana (Crédito: Arquivo pessoal)

Gratidão

Uma das 3.000 famílias assentadas do Sudoeste é a do seu Ivo Cirino do Prado, de 75 anos de idade. Ele, sua esposa dona Sebastiana (em memória), e os filhos moravam em uma propriedade na Linha Osvaldo Cruz, interior de Francisco Beltrão, onde trabalhavam como sitiantes/agregados.

Contudo, há 25 anos, seu patrão vendeu a propriedade. Como a família não tinha para onde ir e soube, por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que teria ocupação da antiga fazenda Camiloti [hoje Assentamento Missões, também situada no interior de Beltrão], resolveu acampar no local, no qual moram desde então.

“Naquele momento não tínhamos opção, foi aí que meu pai, minha mãe e meu irmão mais velho — que participava das lutas sociais na região Sudoeste, por meio do sindicato e da Pastoral da Juventude — resolveram acampar. Na época eu tinha oito anos de idade e me lembro como se fosse hoje todo o processo de acampamento, dificuldades enfrentadas, até que conseguíssemos nosso pedaço de chão”, declara Daiane Rodrigues do Prado, filha do seu Ivo.

“Hoje temos terra para plantar comida, viver com dignidade com nossa família. E, assim, seguimos defendendo e colocando em prática a Reforma Agrária popular. Minha família tem imensa gratidão ao MST por ter possibilitado o acesso à terra”, afirma, completando que a família não possui título, por ser terra da reforma agrária. “Temos o termo de uso, com o objetivo de ir passando de geração a geração”.

Temporariamente, Daiane não está morando no assentamento, mas em breve deve retornar junto ao seu pai, que mora com a outra filha [Luana] e a neta [Valentina]. Mesmo não estando sempre no local, acompanha de perto e auxilia no dia a dia da família.

“Produzimos para o autoconsumo feijão, hortaliças, muitas frutas, ovos, mandioca, leite, além de galinha caipira, que daí tiramos a carne para o dia a dia. Não são coisas em grande quantidade, devido à idade do meu pai [aposentado] e porque minha irmã trabalha fora. E eu trabalho na cooperativa do MST em Renascença”, enumera, dizendo que, sempre que possível, a família contribui com a partilha de alimentos.

“Em meio à pandemia, milhares de pessoas estão sem emprego, passando por dificuldades até para se alimentar. E nós, em nossos assentamentos, conseguimos produzir muita comida; a terra nos dá essa possibilidade. Então para nós, assentados, é muito gratificante poder doar um pouco daquilo que temos para outras famílias que estão necessitando”.

Quanto às lições que ficam da vida em assentamento, Daiane diz que há sentimento de gratidão, de solidariedade em poder contribuir com as famílias que estão passando por dificuldades.

“Isso nos motiva a seguir na caminhada e reforça a importância da luta pela Reforma Agrária, do acesso à terra, da produção de alimentos saudáveis, sem veneno, para todos aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade. O MST está fazendo a sua parte e sou imensamente grata em fazer parte dessa organização social”.

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