Michaela Vicare
As curvas dos gráficos apontando para cima não mentem: uma nova onda de contaminação por covid-19 já é realidade na maior parte das cidades brasileiras. E justo no momento em que muitas empresas se preparavam para receber de volta em seu espaço físico aqueles colaboradores que estão, há quase dois anos, trabalhando de suas casas.
Por trás das câmeras de celulares e notebooks, as reuniões on-line se tornaram parte indissociável do dia a dia de profissionais das mais diversas áreas. Mas o avanço da vacinação em todo o país parecia estar trazendo de volta o cafezinho no meio do expediente e a possibilidade de trocar experiências por formas além de mensagens de texto. Agora, a expectativa de um futuro mais físico parece estar novamente distante.
Embora as informações sobre a Ômicron ainda sejam escassas, tudo indica que as taxas de transmissão dessa variante são mesmo mais elevadas que das variantes anteriores. Todos os estudos apontam nesse sentido. E todos aqueles que lidam com colaboradores precisam começar a rever os planos de retomada presencial, em nome da ciência e da saúde.
É claro que o trabalho remoto esteve muito longe de ser uma possibilidade tangível para a maioria dos brasileiros. De acordo com um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), apenas 10% dos trabalhadores de todo o país puderam realizar suas atividades profissionais no regime de home office, mesmo quando o isolamento social era mais difundido, entre maio e junho de 2020. Isso equivale a apenas nove milhões em um universo de mais de 24 milhões que poderiam exercer suas funções remotamente.
Diante dessa constatação é quase impossível não pensar em quantas mortes pela doença poderiam ter sido evitadas se todos os trabalhadores que poderiam estar em casa realmente estivessem. Não cabe aqui, naturalmente, rígido julgamento de setores que simplesmente não funcionam a distância.
Muitos tipos de empresas provaram não serem capazes de adaptar seus modelos de negócios ao virtual. São indústrias, principalmente, que dependem da atuação física de seus colaboradores para que continuem sendo produtivas. No entanto, um amplo contingente de pessoas que poderia seguir com suas atividades virtualmente não o fez porque não teve essa oportunidade.
Quando se vive uma pandemia, é preciso aprender a pensar de forma estratégica e coletiva. Nas sociedades contemporâneas, constantemente conectadas por vias terrestres, aéreas e aquáticas, decisões individuais têm um grande impacto na coletividade. E, por isso, é indispensável assumir as responsabilidades devidas.
Prestes a enfrentar esta nova onda, com surpresas tão desagradáveis quanto frequentes, cabe a cada empresa refletir sobre sua possibilidade de adaptação e resposta frente ao aumento de casos. Ainda que o planejamento para 2022 incluísse uma retomada das atividades presenciais, ainda que houvesse uma expectativa pelo reencontro depois de tanto tempo, é papel das organizações adiar o retorno de todas as funções que possam ser realizadas on-line. Inúmeros são os casos de empresas que se mostraram, inclusive, ainda mais inovadoras depois que decidiram manter seus colaboradores em casa.
Se podemos evitar que essas pessoas, que estão, de alguma maneira, sob nossa responsabilidade, sejam expostas ao risco de contágio, por que assumir esse risco? Faz parte de uma espécie de pacto social civilizatório – ou deveria fazer – a compreensão de que aqueles profissionais que tomam as decisões em uma organização são diretamente responsáveis por cuidar de situações como a de uma pandemia.
Recuemos, se o momento assim exige, para que aqueles que não podem ficar em casa tenham um pouco mais de segurança para continuarem trabalhando. Cuidemos uns dos outros, ainda que esse cuidado more em uma simples decisão de recursos humanos. Assim, ali adiante, poderemos olhar uns para os outros com a certeza de que fizemos todo o possível para evitar novas mortes.
Diretora de Gente & Gestão (RH) na Tecnobank