“Ela amadureceu muito rápido. Por causa do Gabriel, ela conviveu bastante no Circuito Mundial, mas sabe que precisa fazer a história dela. O sobrenome não garante nada, importa o que ela vai fazer lá dentro do mar. Não é fácil, precisa ter equilíbrio para lidar com críticas injustas e elogios a mais, porém tenho certeza de que ela vai fazer sua própria história no surfe”, disse Charles Saldanha, pai e técnico de Sophia.
Foi ele quem treinou Gabriel Medina desde a adolescência até o ano passado, e juntos conquistaram dois títulos mundiais. Agora, ele vem se dedicando a Sophia e está começando a trilhar novamente o mesmo caminho, passando pelas competições regionais, até chegar à divisão de acesso e, por fim, ao Circuito Mundial, competição na qual estão os atletas de elite. Até por conhecer as dificuldades, ele não tenta acelerar o processo, mesmo sabendo do talento da filha.
“A meta principal é chegar no Circuito Mundial em três ou quatro anos. Ela ainda tem muito a evoluir e progredir. Esse campeonato que ela ganhou ajuda a ter ranking para disputar o Challenger, que vai servir de aprendizado em um primeiro momento. Depois, se estiver lá dentro, deve demorar em torno de três anos para chegar à elite. O Gabriel, depois de dois anos e meio, entrou no Circuito Mundial. Mas temos de colocar metas reais para depois não se tornar uma decepção”, explica, ciente de que uma possível participação nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, seria algo precoce.
INÍCIO DO SONHO – Sophia começou a surfar com 8 anos e pouco tempo depois já estava treinando com mais seriedade. Influenciada por Gabriel, ela logo se apaixonou pela modalidade e foi sendo aprimorada no Instituto criado pela família em Maresias. Lá, junto com jovens talentos, tinha aulas em cima da prancha, de apneia, preparação física e até curso de inglês. Mas sempre que podia acompanhava o irmão em algumas etapas do Circuito Mundial e com isso foi ganhando experiência.
Aos 12 anos, assinou com a Rip Curl seu primeiro contrato de patrocínio (atualmente sua prancha já estampa muitas marcas) e foi trilhando seu caminho nas competições. Em 2018, ela ganhou o Rip Curl Grom Search, título que o irmão famoso já tinha conquistado, e fez a família reviver um momento importante. Agora, ela também conquistou uma etapa do QS, repetindo o feito de Gabriel quando tinha 15 anos, em Florianópolis.
“Foi algo semelhante. É uma etapa em que os dois eram muito jovens e não eram favoritos. Tanto ela como o Gabriel vieram da chave de baixo fazendo bastante pontos. E nos dois casos a gente foi pensando fase a fase. Quando vimos estávamos na final. Ela foi ganhando confiança e acho que foi muito parecido com a vitória do Gabriel. Os dois surfaram bem e ganharam merecidamente. Para mim, a emoção também foi muito semelhante e motivo de muita alegria”, conta Charles.
Ele divide com Gilmar Moura o trabalho de técnico de Sophia. O antigo professor do Instituto Gabriel Medina já vinha treinando Sophia, principalmente quando Charles precisava viajar com Gabriel para as competições, e esse trabalho coletivo vem dando resultado. “A gente se dá bem. Eu treinei ele quando era mais novo, e tem a mesma linha de pensamento que eu. A Sophia gosta dele também e acho que o time precisa estar sincronizado.”
Por já ter passado por muita coisa na caminhada com Gabriel, Charles sabe o que precisa corrigir e o que deve repetir para que Sophia também tenha a possibilidade de ter sucesso em cima da prancha. “O esporte vai evoluindo. Claro que já fizemos o caminho lá atrás, com muito mais acertos do que erros. Mas temos de estar espertos. Aprendo todo dia, sempre tem algo novo, quero melhorar, e sei que o esporte vai ficar mais difícil. Então vamos estar sempre inovando para cometer o mínimo de erros. O que já deu certo serve de lição também. Algo que tenho certeza que dá certo é ter foco, trabalhar duro, pois esporte profissional não é brincadeira ou diversão. É necessário dedicação total e humildade.”
ÓTIMAS ADVERSÁRIAS NO SURFE – A ascensão de Sophia ocorre em um momento que o surfe parece estar bem promissor para as mulheres no Brasil. As últimas competições reforçaram o talento de três surfistas jovens. Bela Nalu, de 14 anos, é filha de Everaldo “Pato” Teixeira, surfista que roda o mundo atrás de boas ondas e sempre leva a garota. Ela vinha morando na Indonésia e ainda grava um reality chamado Nalu pelo Mundo. Outro talento é Laura Raupp, de 15 anos, que recentemente ganhou o QS 1.000 realizado em Florianópolis. E ainda tem a Summer Macedo, de 21 anos, brasileira que nasceu e cresceu no Havaí.
“A chegada dessas atletas ajuda, pois a concorrência é boa. Tomara que todas deem certo. Se formos lembrar, o Gabriel foi campeão, depois veio o Mineirinho e o Italo Ferreira, tem o Filipe Toledo que com certeza vai ser campeão mundial um dia, o Miguel Pupo, o Jadson André… Então a gente vê uns 20 atletas que foram juntos nessa geração. Entre as mulheres, essas atletas mais novas estão brigando bastante e estão ganhando das mais velhas. Isso é um bom sinal. Tomara que venha essa geração feminina também”, torce Charles.
A vitória no Saquarema Surf Festival Roxy Pro foi a mais importante da carreira de Sophia e serve de estímulo para a próxima temporada. As metas estão estabelecidas e o sonho, obviamente, é conquistar o mundo. Em 2017, em entrevista para o Estadão, ela falou sobre seu objetivo: “Um dia quero ser campeã mundial”. Charles, que acreditou no sonho de Gabriel Medina e agora vê o surfista com três taças de campeão do mundo, acha que é possível e vai fazer de tudo para ajudar a filha. “Eu acredito que sim, a gente trabalha para isso. Ela tem todas as condições de ser campeã mundial, mas é um longo trabalho e isso está muito longe ainda. Vamos passo a passo”, avisa.
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