A gamificação em aplicativos e plataformas virtuais está presente desde o processo de contratação, passando por treinamentos corporativos até o cuidado com a saúde dos colaboradores. Em todos os casos, o recurso promove um melhor engajamento entre funcionários. Quem adere ao serviço nota mudanças no comportamento das equipes e consegue acelerar processos que antes eram burocráticos.
Fundada em 2017, a Taqe oferece uma plataforma gamificada para recrutamento e seleção e já via no mercado o desejo das empresas digitalizarem esses processos, necessidade que foi intensificada com a pandemia. Na contramão de outras companhias, que oscilaram na crise sanitária, a startup triplicou o faturamento nos últimos seis meses em relação ao mesmo período do ano anterior. Somente no primeiro trimestre deste ano, ela fechou 67% do volume de vagas preenchidas em 2021.
“O game está ligado à experiência do candidato. Tem plataformas que pedem quantidade grande de teste e quando é prova chata e longa, prejudica o processo, inclusive na conversão de candidatos. Na gamificação, ele se engaja mais com o processo. O segundo ponto tem a ver com nível de entrega. Uma prova gera atenção, raciocínio, e o game mostra leveza, permite que as pessoas se revelem mais facilmente”, avalia Renato Dias, CEO e fundador da Taqe.
Prova disso é a enfermeira assistencial Ozana Pereira da Silva, de 50 anos. Ela foi contratada há três meses no Hospital Israelita Albert Einstein por meio do programa de indicações internas para preenchimento de vagas, o Quem Indica Amigo É. A iniciativa foi digitalizada e gamificada no ano passado pela Taqe, mas o modelo gamificado já era usado para outros processos seletivos. Habituada às seleções tradicionais, a profissional fala com entusiasmo da experiência.
“Baixei o aplicativo da plataforma, fiz o passo a passo e é meio um jogo mesmo, preenchendo currículo, dados pessoais, vem uma série de atividades e você vai somando pontos. Achei que seria mais difícil, pois sou uma pessoa de tempos diferentes, não tão da tecnologia, mas foi uma experiência interessante”, conta.
Além de testar os conhecimentos e receber dicas de como se portar em entrevistas, ela considera o recurso positivo neste momento em que o mundo acontece de forma virtual. “Você ganha tempo, não precisa se deslocar, é prático e objetivo.”
Com a plataforma da Taqe, o hospital agilizou o processo em 61%, passando de 21 dias para oito dias. Em 2020, o número de contratações pelo programa de indicação ficou 24% acima do realizado no ano anterior. Já num projeto piloto para vagas de jovem aprendiz deste ano, a instituição garantiu em apenas um mês 51% do total de contratações feitas no ano passado.
“A gamificação torna os processos mais estimulantes. No modelo anterior, ficavam lá mil pessoas aguardando para serem chamadas, preenchendo ficha”, relata Priscila Surita, gerente de atração, seleção e diversidade do Einstein. Com a digitalização, o processo manual de pegar os currículos e inserir dados no sistema deixou de existir, com impacto positivo na eficiência operacional.
Porque a Taqe oferece testes de personalidade, competências e habilidades, além de aulas que orientam na busca por emprego, Priscila entende que, mesmo para os não contratados, há vantagens. “Temos um número de indicações alto, no ano passado foram 15 mil e contratamos 480, 500 pessoas. Quem não é selecionado, ainda pode fazer aulas, se desenvolver profissionalmente e estar disponível para outras empresas da plataforma.”
Jogando sério com a saúde
Tomás Camargos, sócio-fundador da VIK, startup que oferece um programa de saúde gamificado, conta que a empresa entrou em uma “montanha russa” por causa da pandemia. O crescimento acelerado do negócio é recente. “Em 90% dos casos, quem contrata a VIK são áreas de RH, então quando começou aquela loucura de medida provisória, pessoas em férias, o foco se voltou para isso, para o ‘como vou sobreviver’, então a gente não cresceu em vendas”, relata.
Seguindo as expectativas, quando parecia que a crise ia acabar por volta de setembro, a demanda voltou. Mas, em janeiro e fevereiro deste ano, com baixas esperanças de o Brasil começar a vacinar a população, o ritmo desacelerou de novo. “De março para frente, a gente está muito acelerado. Atribuo esse crescimento ao otimismo do mercado mesmo e aos nossos clientes”, diz Camargos, que cita o crescimento de 20% a 30% ao mês.
A siderúrgica Vallourec foi uma das empresas que, recentemente, embarcou na promoção de saúde gamificada. A cultura de bem-estar para os funcionários já era presente, mas foi reforçada a distância em meio à pandemia – e a tecnologia veio para ajudar. A companhia aderiu ao serviço da VIK e tem visto bons resultados.
“Com a gamificação em voga no momento, acabou sendo a plataforma ideal. A gente consegue promover esporte e saúde organizacional. Ao promover a parte esportiva do conceito de gamificação, temos um ambiente saudável de competição, não só profissional, mas pessoal também”, diz Hildeu Dellaretti Junior, superintendente de relações institucionais das empresas do grupo no Brasil.
Gerente-geral de uma das áreas de produção da siderúrgica, Rafael Motta Neiva voltou ao hábito de fazer exercícios físicos com o programa. Cada atividade feita e registrada no aplicativo contabiliza uma moeda que depois pode ser trocada por prêmios, como produtos de lojas parceiras. Há, ainda, uma espécie de rede social, em que os funcionários adeptos ao movimento registram o que têm realizado em fotos, que serve de incentivo aos demais.
Uma das vantagens, segundo ele, é a motivação gerada pela competição saudável entre as pessoas, que se veem estimuladas a movimentar o corpo ao ver o colega realizando algum exercício. Porém, mais do que isso, o profissional considera que a maior competição é consigo. “Na primeira semana, fiz duas vezes, depois cinco. Semana passada, fiz seis, mas a sexta não foi pontuada”, diz.
Pontuar apenas uma vez por dia e cinco vezes na semana é uma regra do jogo para, segundo Camargos, evitar que o prazer da atividade vire uma disputa negativa entre os funcionários. Após meses parado, Neiva já corre por cinco quilômetros e almeja participar de uma maratona anual em Belo Horizonte.
Games para aprender
No ramo dos treinamentos corporativos, a Kludo também entrou numa onda semelhante à da VIK, algo bem diferente do que Daniel Sgambatti, CEO da empresa, esperava. “A gente tem solução online e estava indo bem antes da pandemia, tinha ideia de decolar, porque ninguém podia treinar presencialmente, mas não foi o que aconteceu no primeiro momento.” O que ocorreu foi a suspensão desse tipo de atividade, mesmo a distância.
“Em maio do ano passado, vimos que tinha mudado bastante o fluxo de demanda, tinha caído bastante. Isso foi num passo mais lento até setembro. A partir dali, começou a surgir nova demanda crescente, empresas se organizaram e tinha cenário positivo por perspectiva de vacina. Mas sofremos a segunda onda de negócios quando vimos casos aumentarem e não ter vacina. Em janeiro e fevereiro, o fluxo caiu, mas em março houve aquecimento novamente”, descreve. Dos sete clientes que atende hoje, dois são novos.
Sgambatti avalia que a demanda por gamificação no mercado de trabalho é crescente, mas ainda é uma tendência, com potencial de crescimento grande para chegar em 2022 de forma mais madura. “Ao mesmo tempo em que o cenário de pandemia reforçou isso, ainda tem um pouco de preconceito nas empresas, resistência de embarcar em modelo mais disruptivo, lúdico. Mas vale nossa máxima de que pode ser divertido tratar de questões importantes no ambiente de trabalho”, diz.
Com a gamificação do processo de ensino e aprendizagem, o engajamento com o conteúdo é fortalecido também. O CEO da Kludo exemplifica que, em uma das empresas que atende, houve redução de quase 40% no tempo total do treinamento com 75% menos tempo do treinador no processo, além de aumento de aprendizagem de quase 85%. “Em menos tempo, as pessoas consolidam melhor o aprendizado.”
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