Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo menos 65 medicamentos de alto custo que estavam nesta situação devem ser atingidos pela decisão do STF, dentre os quais remédios para tratamento de câncer, HIV, diabetes, hepatites virais, disfunção erétil e obesidade. A relação inclui ainda uma fórmula fabricada por um laboratório japonês (Favipiravir) que pode auxiliar em tratamento de pessoas com covid-19. Na prática, portanto, o Supremo abre caminho para a produção de genéricos desses medicamentos, em um momento em que o Sistema Único de Saúde (SUS) sofre com os efeitos da pandemia do novo coronavírus.
Com a decisão do STF, de um universo de 30.648 patentes de diversos setores prolongadas que estão atualmente em vigor, 3.435 (11,2% do total) são da área farmacêutica. Esse grupo será afetado com a decisão do tribunal. Em outros setores da indústria, porém, a extensões já dadas não serão derrubadas.
O tribunal concluiu hoje o julgamento de uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) que contesta a Lei de Propriedade Industrial, em vigor desde 1996. Na última quinta-feira, o Supremo já havia derrubado uma norma que permite a prorrogação do prazo de patentes concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
Agora, o STF delimitou o alcance do entendimento firmado na semana passada. Por conta da pandemia, o relator da ação, ministro Dias Toffoli, propôs soluções diferenciadas para as patentes de produtos farmacêuticos e equipamentos da área de saúde, separando-as das demais. Nesses casos, a decisão do Supremo vai retroagir, ou seja, vai atingir as patentes já prolongadas, que estão em vigor há mais de 20 anos e, portanto, devem cair agora.
Nos demais setores, as patentes esticadas não serão atingidas, ou seja, continuam preservadas. Em termos jurídicos, o STF “modulou” a decisão nesse ponto específico, impedindo a retroatividade para o resto da indústria. O placar dessa questão foi de 8 a 3. Para os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Edson Fachin, todas as patentes estendidas, independentemente do setor, deveriam cair.
“A situação excepcional caracterizada pela emergência de saúde pública decorrente da covid-19 elevou dramaticamente a demanda por medicamentos e por equipamentos de saúde de forma global, com a elevação dos ônus financeiros para a administração pública e para o cidadão na aquisição desses itens”, disse Toffoli.
“Tenho em perspectiva o aumento global da demanda por itens de saúde e, consequentemente, dos gastos públicos e do cidadão com esses produtos, fato que torna inadiável a produção dos efeitos (retroativos) dessa decisão relativamente aos medicamentos e produtos de uso em saúde”, acrescentou o relator.
As patentes servem para garantir a empresas e autores de invenções um privilégio temporário, por meio da garantia de exclusividade na exploração econômica de um determinado produto. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2008 e 2014, a quase totalidade dos produtos farmacêuticos tiveram as patentes estendidas por um prazo superior a vinte anos. De acordo com o TCU, a exploração protegida pela patente de produtos farmacêuticos dura, em média, 23 anos, sendo comum a concessão de patentes que ao final terão durado por 29 anos ou até mais.
Pandemia
Na semana passada, o ministro Gilmar Mendes propôs que o Supremo restringisse os efeitos sobre as patentes farmacêuticas já prorrogadas, sugerindo que fossem derrubadas apenas aquelas que pudessem ser destinadas ao combate à pandemia. “Seria extremamente complexo definir, dentro do universo de cerca de 3.435 patentes da área de saúde, quais teriam e quais não teriam indicação de uso no combate à covid-19, justamente por ser uma doença com repercussões em inúmeras áreas clínicas (neurológica, cardiológica, pulmonar, renal, etc). Quem iria definir quais invenções são e quais não são destinadas ao combate à pandemia?”, questionou Toffoli.
Segundo a Lei de Propriedade Industrial, as patentes têm prazo de 15 anos a 20 anos, tempo contado a partir da data do pedido (depósito) feito ao Inpi. Depois desse período, podem ser feitas versões genéricas de medicamentos, equipamentos e outras invenções livremente. Um dispositivo da mesma lei, no entanto, permitia a prorrogação desse prazo, o que foi considerado inconstitucional pelo STF. Para o tribunal, a norma viola os princípios da segurança jurídica, da ordem econômica e do direito à saúde, prejudicando a livre concorrência e a defesa do consumidor.
A partir de agora, não se pode mais prorrogar o prazo das patentes para nenhum produto em nenhuma hipótese. Ou seja: nos novos pedidos, o prazo de vigência das patentes deve ficar limitado ao período de 20 anos a partir do depósito do pedido feito ao Inpi.
Repercussão
O advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (IBPI), elogiou a solução encontrada pelo STF. “Neste momento de pandemia, a decisão atendeu os argumentos da defesa para proteger o direito à saúde e a viabilização de remédios mais baratos para a população”, afirmou Coêlho.
Para o presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, o julgamento do STF corrige “distorção provocada pela legislação, que há 25 anos encarecia remédios do Brasil”. “A decisão traz segurança para quem quiser investir e permitirá levar à população medicamentos a preços mais acessíveis e com a qualidade que o consumidor merece”, avaliou.
Já o advogado Thiago do Val, especialista em direito empresarial, apontou que o julgamento traz insegurança jurídica para empresas farmacêuticas que contavam com a prorrogação da validade das patentes. “É um sinal de alerta. Apesar de beneficiar a indústria dos genéricos e de certa forma a sociedade, o julgamento impacta anos de planejamento das indústrias repentinamente, inclusive perante ao cenário internacional, o que deveria ser amplamente discutido no Congresso”, disse.
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