STF mantém foro privilegiado de deputado e senador em casos de ‘mandato cruzado’

A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que deputados federais e senadores mantêm a prerrogativa de foro privilegiado, mesmo nos casos de investigações que digam respeito a mandato anterior. Esse entendimento da Corte se aplica nos casos de deputados federais que logo depois se tornaram senadores, ou o caminho contrário, de senadores que assumiram uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Fontes ouvidas reservadamente pelo Estadão avaliam que a decisão abre brecha que deve ser utilizado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para garantir o foro privilegiado do filho do presidente da República nas investigações de um esquema de “rachadinhas” no antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A situação de Flávio, no entanto, é diferente da examinada pelo Supremo: o parlamentar deixou o cargo de deputado estadual para assumir uma vaga no Senado. O STF, por sua vez, se debruçou sobre deputado federal que virou senador, ou vice-versa.

Embora o Supremo já tenha restringido o foro privilegiado a políticos para os crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, os magistrados ainda precisam definir o que internamente tem sido chamado de “pontas soltas” da decisão, tomada em 2018. Uma delas diz respeito à situação de parlamentar que deixa de ocupar o cargo e, na sequência, assume outro.

O caso julgado girou em torno do senador bolsonarista Marcio Bittar (MDB-AC), investigado por fatos criminosos que dizem respeito ao seu mandato anterior, na Câmara dos Deputados. Em agosto do ano passado, a ministra Rosa Weber autorizou a abertura do caso para apurar supostos indícios de utilização irregular da cota para exercício de atividade parlamentar por parte de nove deputados federais e um senador.

No caso de Bittar, Rosa determinou o envio da investigação à primeira instância porque a investigação gira em torno de irregularidades que teriam sido praticadas na época em que o emedebista era deputado federal. “O encerramento do mandato, neste caso, justifica a cessação da competência deste Tribunal para o processamento do feito”, afirmou a relatora na época.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) identificou suspeitas da existência de um “forte esquema de falsidade ideológica, associação criminosa e lavagem de dinheiro”. De acordo com a PGR, empresas teriam supostamente prestado serviços a congressistas no período de janeiro de 2014 a junho de 2018, emitindo notas fiscais com ‘fortes indícios de inconsistências’, as quais teriam sido usadas ‘para amparar a suposta utilização da cota parlamentar’.

Tanto deputados federais quanto senadores possuem prerrogativa de foro perante o Supremo, mas, para Rosa, já que o inquérito mira atos que teriam sido praticados por Bittar no mandato anterior, o emedebista não teria mais direito ao foro nesse caso. A maioria do tribunal, no entanto, discordou da relatora.

“A competência do Supremo Tribunal Federal alcança os congressistas Federais no exercício de mandato em casa parlamentar diversa daquela em que fora consumada a hipotética conduta delitiva”, observou o ministro Edson Fachin, que capitaneou a ala pela manutenção do foro.

“Havendo interrupção ou término do mandato parlamentar, sem que o investigado ou acusado tenha sido novamente eleito para os cargos de Deputado Federal ou Senador da República, exclusivamente, o declínio da competência é medida impositiva , nos termos do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal”, concluiu.

O ministro Alexandre de Moraes concordou. “Compreendo que o investimento imediato em novo mandato parlamentar federal, seja pela reeleição para a mesmo cargo, ou por nova eleição para Casa legislativa diversa, impõe a manutenção da competência desta Suprema Corte, para o processo e julgamento dos ‘membros do Congresso Nacional’, pois, nessas hipóteses as sucessivas diplomações não alteram o foro competente – Supremo Tribunal Federal”, destacou Moraes.

Garantias

Indicado ao cargo por Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques apontou que a necessidade de proteção da atividade parlamentar “sempre encontrou eco” nas decisões do STF.

“A manutenção do foro, tal como existia à época dos fatos, é uma das garantias mínimas que se deve conferir ao parlamentar, sendo irrelevante para tal que ele tenha mudado de Casa legislativa, ou que esteja em outro mandato e/ou em outro cargo. desde que também seja de parlamentar e que não haja interrupção de exercício entre eles, posto que, assim sendo, não deixou de exercer as atribuições de parlamentar em momento algum”, escreveu Nunes Marques em seu voto.

Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia acompanharam o entendimento da maioria, mas não divulgaram votos.

A discussão sobre os “mandatos cruzados” ocorre desde o dia 30 de abril no plenário virtual do STF, uma plataforma online que permite a análise de processos a distância, sem a necessidade de os magistrados se reunirem pessoalmente ou por videoconferência. O julgamento está previsto para ser encerrado às 23h59 desta terça-feira – apenas o presidente do STF, Luiz Fux, ainda não votou.

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