A decisão da Corte, seja ela qual for, terá impacto nas relações entre as instituições. A bancada ruralista no Congresso aposta na suspensão do julgamento como forma de ganhar tempo para correr em paralelo com um projeto de lei (PL 490) que trata do mesmo assunto, na Câmara. Acampados em Brasília desde 22 de agosto, cerca de 6 mil indígenas aguardam o encerramento do processo iniciado em 2016.
Na avaliação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a palavra final sobre a demarcação de terras deve ser do Congresso, e não do Supremo. O texto em tramitação na Câmara admite a tese do marco temporal e permite a exploração de territórios indígenas por iniciativas do agronegócio, da mineração e da infraestrutura. Caso o julgamento seja suspenso, a FPA pretende avançar com esse projeto.
Pelo entendimento do marco temporal, uma terra indígena só pode ser demarcada se ficar comprovado que os índios estavam naquele território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Ana Patté, do povo Xokleng, afirmou que o eventual pedido de suspensão do julgamento, por tempo indeterminado, seria um duro revés à mobilização indígena. “Querem deixar a gente no cansaço para ver se a gente desiste, mas não vai ser o pedido de vista que vai enfraquecer a nossa luta”, disse ela.
O povo Xokleng está no centro da disputa de um território que hoje envolve uma reserva ambiental. A etnia divide a tutela da Reserva Indígena de Ibirama-La Klanõ com os povos Kaigang e Guarani, mas a Fundação Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente, do governo de Santa Catarina, pede a reintegração de posse das terras.
É neste contexto que a Procuradoria-Geral de Santa Catarina passou a adotar a tese do marco temporal. Por ser uma pauta de repercussão geral, os ministros do Supremo também vão discutir a validade de um parecer editado pela Advocacia-Geral da União (AGU), em julho de 2017, que obrigou todos os órgãos do governo federal a seguir o entendimento do marco temporal, restringindo as demarcações de terras indígenas.
“O marco temporal não significa a extinção dos direitos dos indígenas. Pelo contrário: denota que as reivindicações das comunidades indígenas para demarcação de novas áreas deverão ser precedidas de prévia e justa indenização das propriedades privadas eventualmente afetadas, ou seja, reconhecendo o direito de todos os envolvidos, o que propiciará a solução pacífica dos conflitos”, afirmou Rudy Ferraz, chefe da assessoria jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O julgamento já foi postergado três vezes seguidas, desde que foi levado ao plenário do Supremo, antes do recesso no Judiciário. Há tanta divergência sobre o assunto que alguns ministros podem abandonar posições adotadas recentemente em decisões favoráveis aos indígenas. No ano passado o STF decidiu, por unanimidade, que o governo federal é obrigado a fornecer ajuda às comunidades indígenas no enfrentamento da pandemia de covid-19. Além disso, reconheceu que o processo de demarcação é de competência exclusiva da Fundação Nacional do Índio (Funai), e não do Ministério da Agricultura.
Como mostrou o Estadão, porém, a Funai mudou de lado na polêmica do marco temporal. Antes, pregava a demarcação da terra do povo Xokleng, em Santa Catarina. No governo de Jair Bolsonaro, porém, já se mostrou a favor da tese defendida pelos produtores rurais.
Para a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara e integrante da FPA, a ação mais “responsável” a ser adotada pelo Supremo é a de reconhecer a constitucionalidade da tese do marco temporal. “É necessário dar segurança jurídica para quem detém a posse da terra”, disse.
Os indígenas, porém, já planejam outro recurso, caso sejam derrotados. “Buscaremos o nível internacional, porque há necessidade de preservar”, afirmou o líder Brasilio Pripra Xokleng.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.