Com o agravamento da saúde pública mundial devido à Covid-19, emergem, face ao longo período de exposição da população às restrições impostas pela pandemia, os impactos à saúde mental como fatores de risco à saúde coletiva. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o cenário pode aumentar os fatores de risco para suicídio, sendo imprescindíveis o fomento estratégico de intervenções multissetoriais efetivas, bem como a veiculação de falas responsáveis e abertas sobre o assunto.
Estudos epidemiológicos têm demonstrado que o uso de substâncias psicoativas amplia as chances de comportamentos ou pensamentos suicidas, como propõe a psiquiatra Renata Rigacci Abdalla em pesquisa publicada pela Revista Brasileira de Psiquiatria. Os dados acenderam a luz amarela, ao demonstrar que a incidência no uso de substâncias psicoativas pode tornar-se um fator de risco para comportamentos suicidas, combinando-se aos múltiplos fatores de agravamento relativos às restrições decorrentes da pandemia, o que gera um cenário crítico, especialmente em relação aos usuários de drogas.
Ainda, em pesquisa de comportamento dos brasileiros em isolamento feita pelo professor Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na qual foram recolhidos dados de 1.460 pessoas em 23 estados por meio de questionário on-line com mais de 200 perguntas, de 20 a 25 de março e de 15 a 20 de abril de 2020, indicou-se que, nesse período, os casos de depressão aumentaram 90,5% entre os entrevistados, e a ocorrência de ansiedade e estresse teve um crescimento de 80%.
Nesse cenário, torna-se urgente o reforço às boas práticas de prevenção recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em diversas escalas, intensificando-as nos veículos de comunicação, ainda que de modo sazonal, como na Campanha Setembro Amarelo. Na publicação “Cartilha de Prevenção ao Suicídio”, da OMS, foram apresentadas formas de contenção dos fatores de risco:
1. “Universal”: aborda estratégias para alcançar toda a população, aumentando o acesso à saúde pública, promovendo a saúde mental, reduzindo o uso prejudicial do álcool, limitando o acesso aos meios para o suicídio e promovendo relatórios midiáticos responsáveis concernentes à temática;
2. “Seletiva”: propõe meios de prevenção voltados a um público-alvo considerado mais vulnerável, tal como aqueles que sofreram abuso ou trauma, os afetados por conflitos e desastres, refugiados e migrantes e pessoas em luto que já foram afetadas pelo suicídio de algum ente próximo, treinando gatekeepers, ou guardiões, para auxílio e disponibilizando linhas de ajuda, como o Centro de Valorização à Vida (CVV);
3. “Indicada”: propõe ações voltadas individualmente às pessoas vulneráveis, com apoio da comunidade, por meio de acompanhamento dos que recebem alta hospitalar ou de saúde, ações de educação e treinamento voltadas aos profissionais de saúde, específicas para a identificação e gestão de transtornos mentais e de uso de substâncias, bem como o fortalecimento dos fatores de proteção, como relacionamentos pessoais fortes e adoção de um sistema de crenças pessoais, entre outras estratégias positivas de enfrentamento.
No Brasil, o CVV está disponível para promoção de apoio emocional e prevenção ao suicídio. A central atende gratuitamente pelo telefone 188, que funciona 24 horas por dia, e também por e-mail e por chat, disponíveis no site do CVV. Além disso, a Opas propõe dicas para lidar com o estresse em meio à pandemia em seu canal no Youtube.
Em relação às políticas públicas associadas à prevenção ao suicídio, Daniel Buhatem Koch e Paulo Rogério Melo de Oliveira apresentam-nas de forma assertiva e demonstram como as pesquisas avaliam sua efetividade, esclarecendo a eficácia dos resultados e dos esforços governamentais apontada em estudos recentes. Assim, contribuem para a formulação de políticas regionalizadas de pesquisadores e outros interessados no tema.
Mostra-se premente, portanto, a ampliação do debate acerca da problemática do suicídio, bem como a articulação de meios e conhecimentos multidisciplinares para enfrentar as condições estabelecidas e manejá-las para seu controle e/ou minimização de seus efeitos. Ações transversais, conjuntas e transpessoais são indispensáveis para fomentar a prevenção ao suicídio, tão necessária para superação do atual cenário pandêmico que afeta indivíduo e comunidade em diversas instâncias.
*Equipe de Coordenação do Projeto Estratégico Semear – Enfrentamento ao Álcool, Crack e Outras Drogas, do Ministério Público do Paraná: Guilherme de Barros Perini (promotor de Justiça e coordenador do projeto), Yasmin Duma Antocheski Ribeiro (estagiária de graduação), Letícia Soraya de Souza Prestes Gonçalves (assessora jurídica) e Noeli Kühl Svoboda Bretanha (Psicóloga)