Em fevereiro, o julgamento chegou a ser iniciado no plenário virtual, ferramenta que permite aos ministros incluírem os votos no sistema sem necessidade de reunião física ou por videoconferência. No entanto, o ministro Dias Toffoli fez um pedido de destaque para levar a discussão ao colegiado.
O debate foi aberto em um processo movido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, na Grande São Paulo, na esteira da demissão de cerca de quatro mil trabalhadores da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) em 2009. Ao analisar o caso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou o entendimento de que é ‘inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo’.
Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello abriu os votos e se manifestou contra a obrigação de negociação sindical. Na avaliação do decano, não há previsão legal que justifique a exigência e uma eventual mudança deveria passar pelo Congresso. Marco Aurélio lembrou que a Constituição não faz distinção entre as demissões individual, plúrima ou coletiva.
“Em Direito, o meio justifica o fim, não o inverso. A sociedade almeja e exige a correção de rumos, mas há de ocorrer ausente açodamento. Avança-se culturalmente quando respeitada a supremacia da Carta da República. Eis o preço a ser pago no Estado Democrático de Direito: é módico e está ao alcance de todos”, afirmou o decano.
Ele foi seguido integralmente pelos colegas Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Este último observou que a Constituição já prevê a indenização compensatória como mecanismo de proteção ao trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa e que a obrigatoriedade de negociação coletiva com os sindicatos precisaria ser regulamentada por uma lei complementar.
“Não há um vazio constitucional que permitiria a computação pelo poder normativo da Justiça do Trabalho”, observou Moraes. “O arcabouço constitucional estabelece qual é a proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, não fazendo diferença entre a dispensa individual e a dispensa em massa.”
O ministro Edson Fachin abriu divergência e votou para referendar o entendimento fixado pela Justiça do Trabalho. Para o ministro, o sistema de proteção das relações de trabalho ‘opera pela garantia dos patamares mínimos dos direitos sociais’.
“Entendo que a negociação coletiva é imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores e colho o contexto dessa fundamentação na harmônica conivência entre princípios constitucionais que inspiram tanto o Estado Liberal de Direito, que prestigia, como deve ser, as liberdades, e o Estado Social de Direito, que se compromete, como deve ser, com a igualdade”, afirmou Fachin. “Na relação de trabalho, é ao trabalhador que se concerne a concepção maior da dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento constitucional, que exige não a proteção abstrata, e sim uma proteção concreta e real”, acrescentou.
Antes da votação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também defendeu a necessidade de negociação coletiva prévia com os sindicatos. O chefe do Ministério Público Federal argumentou que a medida garante ‘amparo’ aos trabalhadores dispensados.
“A empresa tem direito de rescindir os contratos de trabalho de seus empregados e não precisa de anuência da entidade sindical para fazê-lo, mas é preciso observar as regras constitucionais e internacionais aplicadas à espécie, não deixando os trabalhadores ao desamparo. A demissão pode acontecer, mas é necessário estabelecer comunicação prévia, negociação coletiva, buscando autocomposição para equilibrar os valores em conflito, adotando, por exemplo, um plano de demissão. É solução que se extrai do sistema constitucional e internacional, é medida que harmoniza o exercício da livre iniciativa e a proteção ao trabalhador”, afirmou.
Embraer x Sindicato
Antes da votação, os advogados puderam fazer sustentações orais para expor os argumentos contrários e favoráveis ao dispositivo. De um lado, o advogado Carlos Vinicius Amorim, que representa a Embraer, defendeu não caber intervenção sindical no ‘direito do empregador de se adaptar a um mercado globalizado’.
“Não há vácuo ou lacuna na legislação trabalhista a respeito da matéria, seja na Constituição Federal ou na própria Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. A Carta Constitucional tratou expressamente da resilição contratual em massa”, defendeu. “O legislador constituinte tratou da questão e não fez qualquer ressalva ou distinção entre despedidas individual, plúrima ou coletiva, quisesse o teria feito. O mesmo se verifica em relação à legislação específica, a CLT, que facultou ao empregador a dispensa imotivada como um ato unilateral, que independe da anuência do empregado.”
Na outra ponta, o advogado Aristeu César Pinto Neto, representante do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, afirmou que a imposição da negociação coletiva com os sindicatos é um ‘autêntico avanço civilizatório’.
“Milhares de demissões nestes últimos 12 anos foram evitadas por esse paradigma. Entre as 20 maiores economias do mundo, somente o Brasil não fazia essa diferenciação que é patente, é óbvia, entre demissão individual e demissão coletiva”, afirmou. “Em meio a uma pandemia, conduzida de forma desgovernada, agregar a esse flagelo sanitário o flagelo do desemprego me parece que seria desistir de uma vez por todas do País.”
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