Apesar de Kahns e Egan terem produzido vários documentários, Tarsila (o filme ainda não tem título definitivo) será uma obra ficcional e deverá estar pronta em 2022, a tempo para comemorar o centenário da Semana de Arte Moderna. Alguns nomes circulam entre os prováveis intérpretes dos protagonistas da história da pintora, hoje a mais cara do Brasil (há dois anos o Museu de Arte Moderna de Nova York pagou US$ 20 milhões por sua tela A Lua, de 1928).
Tarsila pode até ser interpretada pela francesa Marion Cotillard, também vencedora de um Oscar por Piaf – Um Hino ao Amor, de Olivier Dahan, em que fez o papel da cantora Édith Piaf (1915-1963). Cotillard tem muito em comum com Tarsila: une a elegância das grandes grifes (usa Dior e Chanel) com militância política (ela apoiou o cacique Raoni em sua luta contra a construção da usina de Belo Monte e ajuda o Greenpeace).
Tanto Egan como Kahns não confirmaram o contrato, mas o inglês acha que ela seria uma escolha acertada. Como se sabe, a ligação de Tarsila com a cultura francesa foi intensa desde a infância, quando o pai fazendeiro contratou uma preceptora belga para lhe dar aulas – isso muito antes de a família ir à bancarrota.
Paris foi, além de tudo, o berço da modernidade de Tarsila, aluna de Léger que se vestia com o melhor estilista francês dos anos 1920, Paul Poiret (1879-1944), um patrono das artes. Poiret costumava expor obras de seus protegidos em seu ateliê de costura – era amigo de Brancusi, Matisse e Delaunay.
O segundo marido da pintora, Oswald de Andrade, mentor da Semana de 22 ao lado do escritor Mário de Andrade, poderá ser vivido por Wagner Moura, se depender da vontade do produtor Cláudio Kahns. “O elenco ainda não está fechado”, diz Kahns que, concordando com o colega inglês Simon Egan, pensa em atores com apelo popular.
Kahns não pretende que o filme sobre Tarsila seja uma obra hermética e vanguardista como O Homem do Pau-Brasil (1982), de Joaquim Pedro de Andrade, abordagem intelectual e não linear da vida de Oswald de Andrade, em que Tarsila é reduzida ao papel de artista milionária em busca de aventura, partindo com o dramaturgo para Paris.
O produtor Simon Egan, que é casado com uma brasileira e tem duas filhas – uma das quais, Lara, quebrou a estatueta do Oscar do pai -, quer evitar esses estereótipos, até mesmo porque Tarsila, depois da falência dos pais e do casamento com Oswald, conheceu um médico comunista e se converteu ao realismo socialista. “Tarsila foi uma mulher sofisticada, elegante, muito além de seu tempo, genuinamente empenhada em encontrar na pintura elementos para traduzir suas contradições e retratar o Brasil”.
De fato, quando estava em Paris pintando sua tela A Caipirinha (1923), arrematada num leilão em dezembro por R$ 57,5 milhões, ela escreveu aos pais comunicando a criação de uma pintura com reminiscências de sua infância na fazenda. Em resumo: ela queria ser de novo a “caipirinha” da província, não mais a socialite que desfilava Poiret – vale lembrar que, em novembro de 1923, Mário de Andrade pediu a Tarsila que voltasse ao Brasil. “Abandona o Gris (o pintor cubista espanhol Juan Gris) e o Lhote (André Lhote, seu professor), empresários de criticismo decrépito e estetas decadentistas, vem para a mata virgem, onde não há arte negra”.
“É certo que, por essa época, a arte negra não era mais mistério para Tarsila, pois cubistas como Picasso haviam redescoberto a arte africana primitiva”, lembra Simon Egan. “Isso não quer dizer que Tarsila tenha sido influenciada por eles para criar sua pintura antropofágica, inspirada por Oswald”, conclui, classificando a pintora brasileira como um exemplo de originalidade na arte latina. “Ela não pode ser comparada a nenhum outro artista latino, nem mesmo a Frida Kahlo, que também era politicamente engajada”.
Parte do filme será rodado na França, segundo Kahns. Mas, como o roteiro vai privilegiar a relação de Tarsila com o núcleo modernista – Oswald, Mário de Andrade, Anita Malfatti e o poeta Menotti del Picchia -, a maior parte das filmagens será no Brasil.
“Queremos acentuar essa sua ligação com o País, mostrá-la como uma pioneira da revolução feminista no Brasil, uma mulher privilegiada que nasceu rica e decidiu se voltar contra as convenções de uma sociedade tradicionalista e conservadora”, acentua o produtor Simon. A Inglaterra, reconhece, foi berço de muitas mulheres emancipadas, de Millicent Fawcett a Virginia Woolf, mas nenhuma comparável ao revolucionário apetite antropofágico de Tarsila. “Ela criou o próprio movimento, não foi atrás de ninguém”, resume.
Sem esconder sua intenção de agregar mais um Oscar à coleção, o produtor inglês diz que o filme sobre Tarsila é dirigido especialmente ao público estrangeiro. “Queremos contar uma história que pouca gente fora do Brasil conhece de uma pintora já presente em grandes acervos (como o MoMA e o Hermitage)”. Ele e Claúdio Kahns vão investir US$ 5 milhões no filme. Kahns diz que a parte brasileira do filme vai custar US$ 3 milhões. O filme será rodado no Brasil, na França e Bélgica (ou Hungria, dependendo as negociações em Cannes).
Comentários estão fechados.