A proposta vencedora foi a do relator do caso no TCU, o ministro Benjamin Zymler. Além de Pazuello e Elcio Franco, também serão processados os secretários de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros; e de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti Neto.
Acompanharam o voto de Zymler os ministros Bruno Dantas, Marcos Bemquerer, Vital do Rêgo e Aroldo Cedraz. A divergência foi aberta pelo ministro Jorge Oliveira – ex-ministro da Secretaria-Geral de Jair Bolsonaro, ele chegou ao TCU indicado pelo atual presidente da República. Votaram com Oliveira os ministros Walton Alencar e Raimundo Carreiro.
No entendimento da maioria do plenário, Pazuello e os demais erraram ao mudar o plano de contingência Ministério da Saúde para repassar a Estados e municípios a responsabilidade de manter estoques de medicamentos, insumos e testes, entre outros produtos. O relatório da área técnica também disse que a pasta agravou a situação da pandemia ao ignorar determinações anteriores da Corte no fim de 2020, quando a pandemia de covid-19 arrefeceu momentaneamente no Brasil.
Os quatro serão alvo de dois processos: um para averiguar se eles descumpriram determinações do TCU, e que pode resultar no pagamento de multa; e um segundo, mais amplo, para apurar a responsabilidade de cada um nas omissões encontradas pela Corte na atuação do Ministério da Saúde durante a pandemia. Este último pode resultar até mesmo no impedimento de assumir cargos públicos.
Durante o julgamento, o ministro Bruno Dantas chegou a pedir multa imediata para Pazuello e Elcio Franco, no valor de R$ 33,9 mil, e de R$ 20 mil para os demais. A sugestão, porém, não prosperou.
“Não se imagina que funções de planejamento, organização e coordenação possam ser feitas sem planos, sem estratégias. Foi isso que se pediu, foi isso que foi determinado (pelo TCU) ao Ministério da Saúde. Nada de discricionário. É óbvio que era um poder-dever do Ministério da Saúde agir neste campo”, disse o relator do caso, o ministro Benjamin Zymler.
“Eu jamais suscitaria a responsabilidade subjetiva de quem quer que fosse em condições normais de temperatura e pressão. O problema é que essa omissão do ministério da Saúde atingiu níveis que extrapolam o lugar comum quando confrontados com (…) avaliações de gestão usualmente feitas pelo TCU”, disse Zymler.
“Todos sabemos da gestão tripartite da Saúde. Entretanto, sabemos também da função que a União tem, de coordenação das ações. E quando falamos de uma pandemia, não há como enfrentá-la, uma pandemia tão agressiva, tão dura, sem que haja um plano nacional”, disse o ministro Bruno Dantas.
“O Ministério da Saúde recebeu do tribunal (TCU) uma determinação, para que elaborasse um plano de coordenação. Não é que ele tentou fazer e fracassou. Há um componente de dolo (intenção de provocar dano) na medida em que foram editados atos para esvaziar as competências que os atos anteriores estabeleciam para o Ministério. Ao invés de acatar a determinação do tribunal, o que o ministério fez foi revogar as normas que lhe atribuíam competências na regência da pandemia”, disse Dantas em seu voto.
“Nós temos que ter responsabilidade com a vida. Uma vida não tem preço. Quem assinou o ato de (posse como) ministro, como secretário-executivo, tem que entender que está tratando com vidas. Não está tratando de uma UBS (Unidade Básica de Saúde) que construiu ou deixou de construir, uma maternidade, um aterro sanitário. Neste caso, são vidas que poderiam ser salvas se as determinações do TCU tivessem sido cumpridas. Eu falo com exemplo em casa”, disse o ministro Vital do Rêgo ao votar para manter as multas aos gestores do MS.
Ao contrário do que o nome sugere, o Tribunal de Contas não integra o Poder Judiciário. Na verdade, trata-se de um órgão ligado ao Poder Legislativo, com a missão de auxiliar o Congresso na tarefa constitucional de vigiar o Executivo. O tribunal tem o poder de aplicar multas e determinar o ressarcimento dos danos, além de punir servidores com a inabilitação para assumir cargos públicos. Quem é condenado pode recorrer no próprio TCU e no Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem do Estadão procurou o Ministério da Saúde para tratar do assunto, mas não houve resposta até o momento.
Falta de oxigênio e de kit entubação
A avaliação feita pelo Tribunal de Contas da União diz respeito ao Plano de Contingência Nacional, um documento editado pelo Ministério da Saúde para nortear o combate à pandemia. Apresentado em fevereiro de 2020, o documento está hoje na sua terceira edição. Para a Secretaria de Controle Externo do TCU, o Ministério da Saúde atuou para reduzir as próprias responsabilidades dentro do Plano de Contingência, transferindo tarefas que deveriam ser do governo federal a Estados e municípios. Ao fazê-lo, contribuiu para agravar os efeitos da pandemia de covid-19 no Brasil.
Um exemplo: no plano original, o Ministério da Saúde deveria “garantir o estoque estratégico” de medicamentos usados para tratar os doentes de covid-19. Depois da mudança, o papel da pasta passou a ser o de “apoiar” o processo de compra dos medicamentos. O Ministério da Saúde se justifica dizendo que o Sistema Único de Saúde funciona com base nas três esferas de gestão: federal, estadual e municipal.
Ao longo da pandemia, várias regiões do país enfrentaram dificuldades relacionadas aos insumos para o combate à pandemia. Em Manaus (AM), a falta de oxigênio hospitalar provocou a morte de 19 pessoas em uma única noite, por exemplo. No começo do ano de 2021, várias cidades brasileiras enfrentaram a falta de medicamentos do chamado “Kit Intubação”, usado para tratar pacientes que precisam de ventilação mecânica.
Segundo o TCU, o ministério também alterou algumas ações de assistência farmacêutica, de forma a reduzir a atividade de gestão logística da pasta.
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