São seis câmeras que o repórter acompanha no monitor. Zé Celso fixa-se no diálogo, na entonação. Monique, nos aspectos técnicos, visuais. Teatro e cinema encontram-se no Oficina, dialogam. “A gente teve algumas divergências quanto à peça, mas nada que não pudesse ser resolvido pelo diálogo”, explicou Zé Celso na entrevista por telefone, dias depois. Era impressionante ver o cuidado da equipe com ele. Fazia frio, e ele estava empacotado. Manta, cobertor. A toda hora o assessor perguntava – “Tá quentinho? Quer um chá?”.
INTENSIDADE
No palco, que não é regular e acompanha a descida do terreno, reproduz-se a rubrica conhecida. Estrada, árvore, à noite. Estragão e Vladimir, criados por Marcelo Drummond e Guilherme Calvazara, estão ali vivendo intensamente o teatro do absurdo, com aquela poesia devastadora: “Do útero para o túmulo”. Esperam Godot. Quem? A salvação? Em geral, o centro do palco é ocupado por uma árvore cenográfica. A do Zé é de verdade, a que está do outro lado do vidro. Os atores rompem (ampliam?) o espaço cênico e a representação ocorre lá fora.
A peça foi escrita em francês, em 1949, e publicada três anos depois, quando ainda era recente a barbárie nazista na guerra. No telefone, Zé explica: “A ideia era montar o filme até meados de agosto, para iniciar a comemoração dos 63 anos do Oficina”. Mas surgiu uma pedra no caminho. O filme chegou ao streaming em 28 de outubro, quando se comemorou a data. A festa continua. E agora ganhou contornos mais amplos. Além do filme-teatro, a programação de aniversário inclui a peça Paranoia, concebida e interpretada por Marcelo Drummond, a partir do livro de Roberto Piva. Os ingressos, para o presencial e o streaming, podem ser adquiridos no Sympla.
Diretor vê o palco como expressão do sagrado e celebração do corpo
Em dezembro de 1987, Zé Celso perdeu o irmão, também diretor, Luiz Antônio Martinez Corrêa, brutalmente assassinado. Foi um baque. No começo dos anos 1990, teve problemas de saúde e foi hospitalizado. Monique Gardenberg, grande admiradora, foi visitá-lo. “Achei que só o teatro poderia salvar o Zé.” Levou-o para o Rio, onde ele encenou Ham-let. Em 2001, também no Rio, e com produção de Monique, ele dirigiu seu primeiro Godot, com Selton Mello e Otávio Müller. “Tinha mais humor”, lembra.
A relação com Monique aprofundou-se. “Não falamos só de arte, mas de vida.” Zé Celso não vê a peça de Beckett como um monumento de niilismo. E, mesmo se achasse, iria transformá-la. Ficou marcado pelo Godot de Cacilda Becker, nos anos 1960. O dele é diferente. “Está adaptado para a época da pandemia. Todo mundo de máscara, só os atores sem, na hora de representar. Numa cena Estragão e Vladimir ficam ouvindo as vozes dos mortos. Vai ser forte, a peça é muito linda.”
O encontro com Monique ocorre num momento em que o cinema volta com tudo à vida do encenador. No É Tudo Verdade, ele estava no documentário Máquina do Desejo, sobre os 60 anos do Oficina. Na Mostra, com o Fédro, reencontrando seu ator, Reynaldo Gianecchini. Zé Celso vê o teatro como uma manifestação do sagrado. Uma celebração do corpo. É o xamã da arte. O repórter lembra seu filme 25, em parceria com Celso Luccas, rodado em 1975, durante as lutas pela independência de Moçambique. “Fiz outros que você precisa ver, incluindo O Rei da Vela, em 1982.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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