Tentando entender a Cuba Libre

(Paulo Argollo)

Meu gênero literário favorito é a biografia. Eu gosto de história e de histórias! Por isso, divido esse gênero em duas vertentes, ambas que eu amo de verdade. A primeira vertente é a dos causos e histórias. Normalmente, neste caso, as autobiografias são as melhores, histórias contadas em primeira pessoa, com riqueza de detalhes e aquele ar de nostalgia. As autobiografias do Lobão, do Johnny Cash, do Neil Young, do Erasmo Carlos são exemplos. A segunda vertente é a da história, biografias que contam não só a trajetória do biografado, mas entregam o contexto ao redor, o momento da história em que o biografado vivia e como esse momento o influenciou. Em geral são livros escritos por jornalistas e historiadores. São livros como a maravilhosa biografia de Adoniran Barbosa, escrita pelo Celso de Campos Júnior, que ao retratar o sambista conta muito da história do rádio e TV no Brasil entre os anos 1930 e 1960 e também o florescer da cidade de São Paulo neste mesmo período.

Comecei falando sobre isso porque conhecer esse contexto histórico, ampliar os horizontes para entender um fato é fundamental. Tenho certeza, por exemplo, que o cristianismo seria muito diferente se soubéssemos o que aconteceu com Jesus em sua adolescência. O mistério que envolve sua vida dá margem para muita interpretação de sua própria personalidade. Nós conhecemos Jesus criança e depois já adulto, com seus 30 anos. Perdemos o momento em que a personalidade de qualquer pessoa é formada. O que ele vivenciou entre seus 16, 18 e vinte poucos anos que o fizeram se tornar o homem que acabou crucificado. Sempre, quando uma parte da história nos é ocultada ou negligenciada, ficamos muito mais expostos a interpretações equivocadas.

Muito se falou nos últimos dias sobre os protestos que estouraram em Cuba. Manifestações numerosas de pessoas clamando por democracia e liberdade. Aqui pudemos ver, de um lado a direita celebrando isso e maldizendo a esquerda que defende a ditadura cubana. De outro lado, a esquerda se justificando que não é bem uma ditadura e que Cuba é um lugar ótimo, sim, porque a saúde, a educação lá são incríveis e etc. Tudo isso eu sei que você já sabe, e deve estar acompanhando na imprensa. Acontece que eu fiquei curioso com essa história toda e quis conhecer melhor a história de Cuba, contextualizar este momento que o país vive, aquele papo de olhar para o passado para entender o presente e vislumbrar o futuro.

Minha fonte de pesquisa é essencialmente a internet. Apesar de gostar muito de ler, não tenho uma biblioteca muito vasta e variada em casa. Mas tem muitos sites bem legais sobre história, além de canais no Youtube. Um tempinho atrás, publiquei aqui um texto falando sobre a incrível história da colonização da Jamaica, e foi um texto onde todas as informações vieram de sites e canais do Youtube que eu sei que são minimamente confiáveis e não tem o hábito de divulgar fake news.

Pois bem, fui pesquisar a história de Cuba. Qual não foi a minha a surpresa ao não encontrar quase nada a respeito. Em todos os lugares pulavam do descobrimento da ilha em 1492 por Cristovão Colombo para a independência em 1898, a influência dos Estados Unidos, o golpe de Fulgencio Batista em 1952 e, por fim, a Revolução Cubana liderada por Fidel Castro e Che Guevara em 1959, essa, sim, fartamente documentada em toda a internet.

Para mim não é o suficiente. Pulando do século XVII para o século XIX, perdemos aí pelo menos duzentos anos de história. E, convenhamos, muita coisa acontece em duzentos anos num país. É como a gente querer entender o Brasil pulando do descobrimento em 1500 para a vinda da família real em 1808. Não dá! Porque a gente ainda vê reflexos no coronelismo do norte e nordeste das capitanias hereditárias, a gente entende melhor a situação dos índios sabendo da guerra dos emboabas, do comércio de pau brasil com os franceses, enxergamos na arte brasileira a antropofagia que deglutiu o bispo Sardinha, a influência da igreja nas missões que culminaram nas guerras guaraníticas, a corrupção endêmica que atingiu todos os níveis da sociedade na corrida do ouro nas Gerais. E, mesmo sabendo tudo isso, ainda é difícil compreender o Brasil. Imagina pulando dois séculos de história.

Então vou me ater ao óbvio. Que bom que os cubanos estão lutando pela sua liberdade e por democracia. Inicialmente a tomada de poder por Fidel Castro foi, sim, muito bem-vinda pelos cubanos. Fulgencio Batista era um tirano e estava entregando Cuba aos norte-americanos sem quaisquer escrúpulos, deixando muita gente na miséria e cerceando liberdades. Acontece que, com o tempo, o velho Fidel acabou enveredando pelo mesmo caminho. É verdade que nas décadas de 1970 e 1980 o país melhorou muito, elaborou e colocou em prática grandes avanços para a saúde e educação. Mas, em contra partida, tirou do povo a liberdade, exilou pessoas por simplesmente serem gays, por exemplo, limitou e censurou manifestações culturais subversivas e etc. Sabe o que aconteceu com a gente entre 1964 e 1985? Então, igual. Com o fim da guerra fria, Cuba não tinha mais o apoio financeiro da União Soviética e o embargo norte-americano impedia o comércio externo, e o país quebrou.

Claro, isso é só um pedacinho da história. Com certeza muita coisa que aconteceu naqueles duzentos anos que eu não encontrei pela internet revela muitas outras nuances que explicam melhor tudo pelo que Cuba passou no século XX. Não conhecendo essa história toda, só me resta torcer pelo povo cubano, que alcance a democracia e a liberdade, e consiga se reerguer econômica e socialmente. Que finalmente deixem de lado o fantasma do comunismo, que não assusta e nem ameaça ninguém neste mundo moderno, globalizado e conectado. E que também consigam… Olha, eu ia reescrever esse parágrafo dizendo que eu torço para que nós alcancemos a democracia e liberdade, esqueçamos o comunismo e tal. Mas fica desse jeito mesmo. Assim, cada um tira a sua própria conclusão com relação a Cuba, e, quem sabe, não acaba enxergando alguma relação com a nossa situação aqui no Brasil. A minha dica é simples, é só contextualizar, lá e aqui.

HOJE EU RECOMENDO
Filme: X Men First Class
Direção: Matthew Vaughn
Ano de lançamento: 2011
Ain, Paulo, vai sugerir filme de super herói…” Vou sim. O filme é ótimo, muito divertido e tem todo um contexto (ô palavrinha boa!) histórico e político desde a Segunda Guerra até a crise dos mísseis entre os Estados Unidos e… Cuba!

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