Dados de estudo conduzido pela Pfizer nos EUA mostram que a dose extra cria níveis de anticorpos cinco a dez vezes maiores do que os adquiridos com apenas duas. Lá, a variante Delta, que é mais transmissível e pode se espalhar rapidamente, provoca 25% dos casos. No Brasil, a prevalência é, em larga escala, da variante Gama, detectada originalmente em Manaus. De 70% a 100% dos casos nos Estados são desse tipo. Já se sabe que a Delta circula em São Paulo e, possivelmente, no Rio.
“A gente sabe que a resposta imunológica contra qualquer antígeno tende a cair depois de um tempo”, explica o virologista Flávio Guimarães, pesquisador do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas (UFMG). “No caso da covid-19, ainda estamos entendendo como essa queda acontece, depois de quantos meses, para quais variantes.”
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmou a autorização dada à Pfizer e informou que, até o momento, a farmacêutica foi a única a pedir essa autorização. A pesquisa pretende avaliar a segurança, a imunogenicidade (capacidade de estimular a produção de anticorpos contra o agente causador de uma doença) e a eficácia de várias estratégias de reforço da vacina em diferentes populações que já receberam duas doses do imunizante.
Segundo a Anvisa, o estudo prevê o recrutamento de 443 voluntários no centro clínico do Hospital Santo Antônio das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador, e 442 participantes no Centro Paulista de Investigação Clínica e Serviços Médicos, em São Paulo, onde a vacina foi testada originalmente. Serão recrutadas pessoas maiores de 16 anos, de ambos os sexos, que já tenham tomado as duas doses regulamentares. A Pfizer informou que aguarda apenas a autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para começar o estudo no País.
O Instituto Butantan informou que estuda “a possibilidade de um reforço anual da vacina (que não deve ser confundido com uma terceira dose)” para ampliar sua eficiência. No caso da AstraZeneca, estudos da Universidade de Oxford, que desenvolveu o imunizante, apontaram uma resposta imune mais robusta com a terceira dose.
Cientistas brasileiros ouvidos pelo Estadão dizem que a prioridade hoje no País, porém, é acelerar a vacinação contra a covid-19 e reforçar a importância de que as pessoas compareçam para tomar a segunda dose. Além disso, lembram, a variante Gama segue predominante no Brasil. Por enquanto, não há indícios concretos de que a Delta vá tomar o seu lugar. “A Delta já foi registrada no País, mas não se tornou epidêmica”, constata Guimarães. “Nem sabemos se vai se tornar.”
A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) Flávia Bravo concorda com o colega. “Agora não é a hora de a gente pensar em terceira dose”, afirma a especialista. “É natural que países que estão muito avançados na imunização comecem a se preocupar com isso. Mas não é o nosso caso. O que temos de fazer é vacinar todo mundo rapidamente para reduzir a circulação do vírus.”
Na França, a dose extra já é aplicada em pessoas com problemas imunológicos. O Reino Unido quer aplicar o reforço a partir de setembro, especialmente em idosos. A Indonésia, país onde a maior parte da população recebeu vacinas chinesas, já estuda a aplicação de uma dose a mais em profissionais de saúde. O reforço seria com o imunizante da Moderna, doado pelos EUA.
Por que a variante Delta preocupa tanto?
A Delta gera preocupações sobretudo pela escalada de casos na Índia e pelo rápido avanço em países europeus. A variante passou a ser responsável por mais de 90% dos novos casos no Reino Unido e em Portugal, além de avançar em Alemanha, França e Espanha, aponta análise do Financial Times do fim de junho. Estimativas indicam, além disso, que a variante é cerca de 50% mais transmissível do que a Alfa, descoberta pela primeira vez no Reino Unido. Não à toa, a Delta já representa mais de 25% dos casos novos nos Estados Unidos, país onde há uma cobertura vacinal avançada. “Ainda não associaram a Delta a uma maior taxa de mortalidade, mas é uma variante de maior transmissibilidade”, explica o pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP e coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, José Eduardo Levi. Segundo ele, o que chamou a atenção no avanço da variante no Reino Unido é que ela se sobrepôs mesmo à variante inglesa (Alfa), que também é classificada como uma “variante de preocupação”. Um estudo liderado pela Universidade de Oxford, do Reino Unido, com a participação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontou ainda que a variante Delta pode aumentar os riscos de reinfecção pelo novo coronavírus. Já um outro estudo publicado na revista científica The Lancet indica que o risco de internação é maior em pessoas que foram infectadas pela Delta, em comparação àqueles que se infectaram pela Alfa.
E no Brasil?
Atualmente no Brasil a preocupação em relação à Delta se dá mais por precaução, já que a variante assusta em outros países, explica José Eduardo Levi. “Eu acho que é correto a gente ficar preocupado com a Delta aqui no Brasil, mas a gente tem muito mais motivos para se preocupar além dela”, diz. “A P.1 (Gama) dominou o ambiente totalmente. E ela pode ser tão ou mais transmissível do que a cepa indiana.” O pesquisador explica que, para além da Alfa, não se tem muitos comparativos da Delta em relação a outras variantes, como a de Manaus (Gama) e a sul-africana (Beta). “Para fazer esse comparativo, basicamente é necessário ver como a Delta se expande em um ambiente dominado por outra variante. Não se faz teste de laboratório de competição, por exemplo.” Para conter o avanço da cepa no País, o virologista Anderson Brito reforça a importância de seguir vigilante em relação ao vírus e de adotar medidas protetivas, como uso de máscaras PFF2 e distanciamento, além de evitar locais fechados. “Temos uma pequena parcela da população vacinada com duas doses no Brasil, e o número de infecções ainda é alto no País”, diz.
Sintomas causados pela Delta são diferentes?
De acordo com Anderson Brito, dados preliminares do Zoe Covid Symptom, estudo realizado no Reino Unido, mostram que os infectados no país europeu pela variante Delta têm apresentado menor perda de olfato, enquanto coriza e dor de cabeça agora são mais comuns. Outros estudos realizados até então, como o do King’s College, de Londres, vão no mesmo sentido. “Demora um tempo para a ciência provar isso, mas o que estão relatando é que, sim, está havendo mudança de sintomas”, diz José Eduardo Levi. “Mas isso é difícil de se controlar, porque quem está se infectando agora são, em maioria, os não vacinados, que são mais jovens. Será que os sintomas têm a ver com a variante em si ou com o fato de que são jovens, que talvez acabam não desenvolvendo outros sintomas?”, questiona.
A descoberta do primeiro caso da variante Delta em São Paulo preocupa em relação a uma terceira onda no Brasil?
Levi explica que, quando o assunto é pandemia, os próximos meses ainda são incertos. “Pode haver uma terceira onda, mas acredito que é mais provável que seja causada por uma variante derivada da Gama, uma Gama Plus, do que por uma variante Delta, ou uma Delta Plus”, avisa. Originária da Delta, a Delta Plus começou a crescer na Índia, mas ainda não foi vista em outros lugares. Já a Gama tem variações espalhadas pelo Brasil, como no interior do Estado de São Paulo. “De todo modo, a gente não está aqui para fazer aposta, está aqui para prevenção. O que tem de ser feito é identificar a pessoa infectada, ver com quem ela teve contato e fazer o bloqueio dessas pessoas”, diz o pesquisador.
O que se sabe sobre o grau de proteção que as atuais vacinas oferecem contra a variante Delta?
“Com a vacina da Pfizer, tem uma pequena diferença de proteção. Existe uma perda de proteção, mas ela é pequena”, responde Levi. A situação é similar à que ocorre com o imunizante de Oxford/AstraZeneca. Em relação à vacina da Janssen, a Johnson & Johnson, que é dona da farmacêutica, anunciou que o imunizante de dose única é eficaz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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