Em comunicado, o órgão que tem a missão de vigiar a política fiscal do País afirma que o benefício de adiar o pagamento de parte das dívidas judiciais previstas para 2022, de forma a liberar espaço no teto de gastos para ampliar o Bolsa Família, pode ser “mais que neutralizado” pelo efeito negativo, já que a medida pode abalar a credibilidade do País. “O aumento do risco, dos juros e do custo médio da dívida rapidamente cobraria o preço”, alerta a IFI.
Na nota, a IFI diz que, se o teto for alterado por causa do impasse com os precatórios, ou essa despesa ficar fora do limite de despesas, o País mergulhará em um quadro similar ao observado entre 2009 e 2014, período dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, marcado por práticas de “contabilidade criativa”.
O teto de gastos é a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Para o ano que vem, o governo calculava uma folga de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões, que seria usada para ampliar o Bolsa Família e pavimentar o caminho rumo à campanha de Jair Bolsonaro à reeleição.
O valor foi calculado antes de a equipe econômica constatar que a despesa com precatórios chegaria a R$ 89,1 bilhões em 2022 – mais de R$ 42 bilhões acima do esperado. O espaço no teto se exauriu diante dessa “surpresa”, como classificou o ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Precatório tem, sim, certa imprevisibilidade, mas os mecanismos e ritos hoje existentes permitiriam uma ação antecipada do governo. Deixar chegar até o ponto atual e buscar mudança nas regras do jogo é algo temerário”, diz o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, um dos autores da nota.
Desde então, o governo tem articulado o envio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para parcelar as dívidas judiciais em até dez anos. Como mostrou o Estadão/Broadcast, a medida tem potencial até mesmo para dar fôlego adicional para gastos do governo em 2022, pois, em vez de aumentarem, as despesas com precatórios cairiam R$ 7,8 bilhões em relação a este ano.
A IFI, porém, vê no parcelamento um “evidente prejuízo ao funcionamento do arcabouço fiscal”, isto é, do conjunto de regras que regem as finanças públicas. “Mudar as regras do jogo ao sabor da conjuntura ou alterá-las para que não sejam rompidas é o caminho seguro para a perda de credibilidade”, afirma a instituição.
Segundo o órgão, o teto de gastos já tem válvulas de escape para despesas urgentes e imprevistas, e que foram usadas durante a pandemia de covid-19, enquanto os gastos previsíveis, como o de sentenças e precatórios, “não deveriam ser motivo para alterar as regras do jogo”.
“Se o parcelamento cogitado avançar, o teto será formalmente preservado, com garantias constitucionais, mas a regra sofrerá um golpe importante. Não serão raros os questionamentos a respeito de novas possibilidades de mudanças para comportar outros eventos que viessem a acometer as contas públicas no futuro”, diz a IFI.
Segundo apurou a reportagem, técnicos da área econômica têm manifestado desconforto com a proposta, apesar de o crescimento expressivo dos precatórios ser um problema a ser enfrentado. O envio da PEC foi adiado para a próxima segunda-feira por questões “burocráticas”, segundo uma fonte.
Fundo Brasil
Além disso, a PEC em elaboração no governo prevê a criação do chamado Fundo Brasil, a ser abastecido com recursos de privatizações e venda de imóveis e que poderia ser usado em parte para abater dívidas (inclusive com precatórios) e turbinar ainda mais o valor pago aos beneficiários do Bolsa Família. Esse fundo teria despesas bancadas fora do teto de gastos.
Um integrante da equipe econômica reconhece que, com a proposta de criação desse fundo, será uma tarefa árdua conseguir barrar iniciativas que pretendam inserir outros gastos na lista do que pode ser bancado com o dinheiro do Fundo Brasil – ou seja, fora do teto.
A própria equipe econômica já precisou debelar movimentos da ala política do governo e do Congresso que buscavam driblar o teto de gastos para gastar mais. Agora, com a brecha aberta pelo próprio Ministério da Economia, há o temor de que as investidas sejam ainda mais pesadas e, pior, com potencial de aprovação no Parlamento. A principal aposta é que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado do governo, ajude na articulação para evitar danos às contas.
Nos últimos dias, o mercado já repercutiu mal uma declaração de Guedes sobre o problema: “Devo, não nego, pagarei assim que puder”.
“A sinalização é negativa sob o aspecto fiscal e econômico. O parcelamento de uma despesa obrigatória, líquida e certa, indica disposição em não honrar compromissos reais, que nem podem ser classificados como riscos prováveis. São, na verdade, despesas geradas automaticamente pelas decisões do Judiciário. O desdobramento afetaria a percepção de risco, pelo mercado, podendo resvalar em precificação de juros mais altos nos títulos do governo em um contexto de déficits ainda expressivos e dívida pública acima de 84% do PIB”, alerta a IFI.
O órgão reconhece que houve um aumento expressivo no valor dos precatórios. De 20009 a 2021, a alta foi de 102,2%, já descontada a inflação. Em 2022, boa parte do aumento se deve às ações referentes ao cálculo incorreto do Fundef, fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério que vigorou até 2006. Ao todo, os Estados devem receber R$ 16,6 bilhões da União no ano que vem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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