Bianca Bittencourt, de 21 anos, é uma dessas vozes. A graduanda de designer de moda foi clinicamente diagnosticada com autismo durante a pandemia. Desde a infância, ela mostrava alguns sinais do transtorno, mas nunca obteve um diagnóstico completo. Já adulta, começou a considerar a possibilidade de que precisasse de ajuda médica após se identificar com vídeos sobre autismo. “Descobrir isso sobre mim é muito libertador”, conta.
O que motivou Bianca a falar sobre autismo nas redes sociais foi tentar oferecer esse sentimento libertador a outras pessoas. “Eu decidi fazer um vídeo sobre autismo porque foram eles que me fizeram ir atrás do meu próprio diagnóstico”, disse. “Para produzir, eu uso a minha experiência pessoal e artigos acadêmicos. Por isso que, às vezes, acabo demorando um tempo.”
Há três anos, quando começou a produzir conteúdo para internet, Yummii, de 25 anos, host do Sistema Orquestra, traduzia artigos acadêmicos do inglês para o português com o intuito de educar as pessoas sobre Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI). Pessoas com esse transtorno são caracterizadas pela presença de mais de uma identidade dentro do mesmo corpo e se identificam como ‘sistema’, por causa dessa polifragmentação.
Para enfatizar o que diz, Yummii não se restringe apenas a sua experiência. O perfil realiza vídeos em colaborações com outras pessoas que possuem TDI, como uma forma de diversificar as experiências. “A melhor forma que eu tenho para combater os estereótipos é mostrar sistemas que possuem uma vida funcional, que realmente conseguem viver, além de utilizar a ciência como fonte”, disse.
O processo de conscientização, entretanto, não tem sido fácil. Em inúmeros momentos, Bianca lidou com comentários que estereotipam o transtorno. “As pessoas conhecem um autista e querem que todos sejam iguais, não funciona assim. É a mesma coisa que eu conhecer a minha mãe e achar que todas as mães tem que ser igual a minha”, explica.
A dificuldade se intensifica com a viralização de informações falsas na plataforma. Yummii conta que, para conseguir maior visibilidade, algumas contas propagam inverdades sobre o TDI. “Uma pessoa falava que era super comum ter alters (identidades) com tendências violentas e assassinas, sendo que não é. Isso é um estereótipo forte sobre TDI, que nós lutamos para mudar”, disse.
Instantâneo
Camille Guazzelli, de 18 anos, dormiu e acordou no dia seguinte com 10 mil seguidores após a publicação do primeiro vídeo falando sobre Síndrome de Tourette, distúrbio do sistema nervoso que envolve movimentos repetitivos, vocais ou motores. “As pessoas deixaram dúvidas nos comentários e eu respondia. Assim, as ideias para novos vídeos iam se formando”.
A estudante recebeu o diagnóstico durante a pandemia, quando os espasmos se intensificaram por causa do estresse. Com a sensação de ter algo e não compartilhar, Camille começou a falar da sua condição na internet. “Eu tive a ideia de utilizar o TikTok como um meio de expressar aquele sentimento e também porque eu não tinha coragem ainda de contar para os meus amigos o que eu estava passando. Eu sentia muita vergonha”, disse. Com medo de não ser aceita e ter a doença desacreditada, a jovem regravava os vídeos sempre que tinha muitos espasmos.
A atenção imediata na rede também faz parte da história de Maria Luisa Paris, 15 anos, que utiliza a plataforma para falar sobre a sua surdez. “Eu gosto de fazer um humor que faça refletir. Você ri, depois, para e pensa: ‘Realmente! Eu nunca parei para pensar sobre isso antes'”, conta. Malu perdeu a audição aos 5 anos, consequência do alargamento da cóclea, característica da Síndrome do Aqueduto Vestibular Alargado (SAVA). Para Cristiane Paris, mãe de Malu, ver o trabalho de conscientização da filha na internet resolve um medo antigo: o da filha não se encontrar dentro da deficiência. “O mais interessante é que ela fala para os ouvintes. Ela explica coisas que nem eu sabia”, disse. ”
Impacto
A psicóloga clínica especialista em adolescente Andressa Cristina Guedes explica que essa fase da vida é o momento em que o indivíduo está buscando ser inserido em grupo e alcançar uma noção de pertencimento. Nesse sentido, ao compartilhar conteúdos sobre suas condições na internet e ter um engajamento positivo, esses jovens passam a se sentir pertencentes, gerando também um reconhecimento tanto da sociedade quanto de si mesmo a partir das suas diferenças. “Esses jovens passam a ser reconhecidos pelo meio, ampliam o ambiente em que estão inseridos e contribuem para que outras pessoas, nas mesmas condições ou condições adversas, se identifiquem”, disse.
Esse processo de identificação fez com que Bianca recebesse mensagens de jovens autistas que se sentiram representados. “Poder compartilhar o meu conteúdo sobre autismo é como se elas conseguissem falar sobre porque nós temos dificuldade de comunicação, principalmente quando somos mais novos”, disse.
A conscientização sobre os temas também tem resultado em ações práticas na própria plataforma em favor da acessibilidade. Malu passou a ver pessoas no TikTok engajadas em ensinar a legendar os vídeos, por exemplo. “Mesmo que usemos aparelho, a audição não é só sobre ouvir. A audição é sobre compreender e identificar. Eu entendo que você fala, mas eu preciso ainda da leitura labial e preciso de um apoio para poder te entender”, explica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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