Conhecido como pasta de dente ou creme dental, todo mundo utiliza dentifrícios diariamente, durante a escovação. Quando chegamos à gôndola de mercados e farmácias, nos deparamos com tantas opções que é preciso pensar por alguns momentos qual é a melhor para a nossa boca e nosso bolso. Mas será que há mesmo diferença entre uma e outra?
Levamos s principais dúvidas sobre esse produto até a cirurgiã-dentista Karine Sebben. Veja o que ela respondeu:
Qual a composição dos dentifrícios?
As pastas dentais que utilizamos atualmente tem uma composição aproximadamente de 20-55% de abrasivos, 15-25% de água, 0,2-0,3% de fluoreto, 20-35% de umectantes, 1-3% de tensoativos, 1-3% de espessantes e 1-2 de flavorizantes. Conservantes e corantes são adicionados em quantidades inferiores a 1%.
Dentifrícios eliminam cáries?
Cárie é uma doença crônica, não erradicável, resultado do acúmulo de biofilme (placa bacteriana + restos alimentares) e do consumo de açúcar. A escovação, como medida isolada, é capaz de controlar a gengivite, mas tem limitações no controle da cárie. Assim, todas as pessoas que tenham dentes na boca, independentemente da idade, devem receber a recomendação de escovar os dentes pelo menos duas vezes ao dia com um dentifrício com , no mínimo, 1000 ppm de flúor. Lembrando que todos os dentifrícios têm a quantidade de fluoreto de sódio descrita na embalagem, pois ao mesmo tempo em que é feita a desorganização do biofilme, há a aplicação frequente do flúor nos dentes. O efeito do fluoreto é particularmente importante na escovação noturna para reparação das perdas minerais ocorridas nos dentes ao longo do dia e também à noite, quando há retenção aumentada do fluoreto na cavidade bucal pela diminuição do fluxo salivar neste período.
Qual a diferença entre o dentifrício infantil e o anticárie simples, usado por toda a família?
A maior parte dos produtos infantis tem os mesmos componentes e abrasividade de um dentifrício simplesmente anticárie, com o diferencial do sabor e personagens atraentes para o público infantil. Eles são, normalmente, formulados na concentração de 1100 ppm de fluoreto. Os familiares (que podem ser usados pelos pais e filhos) são aqueles formulados com 1450 ppm de fluoreto. Dentifrícios formulados com fluoreto de sódio, em concentração próxima a 1500 ppm, se ingeridos por crianças, trarão risco de fluorose 30% maior do que os infantis com 1100 ppm. Dentifrícios com 5000 ppm de flúor não são de venda livre em supermercados, necessitando de prescrição profissional, e não podem ser utilizados por crianças abaixo de 8 anos, pelo risco de desenvolvimento de fluorose clinicamente significativa, e nem por idosos acamados, por provocar desconforto gastrointestinal, caso toda a quantidade seja engolida. Para diminuir a absorção do fluoreto ingerido, uma ótima recomendação é que a escovação seja realizada após as refeições principais, o que auxilia também na formação do hábito. Estudos recentes concluíram que o sabor dos dentifrícios infantis não está associado a maior ingestão por crianças. Dentifrícios formulados sem flúor não são considerados produtos anticárie. Crianças devem aprender com os pais, desde cedo, a usar uma quantidade pequena de dentifrício e cuspir o excesso do produto (assim que for capaz). Dentifrícios são veículos para substâncias terapêuticas, exigindo supervisão de um adulto no momento da utilização.
Dentifrícios com carvão promovem clareamento dental?
Não. Dentifrícios “clareadores” ou com carvão visam apenas uma demanda de mercado, sem benefício terapêutico em relação aos outros dentifrícios. É função de todos os produtos do gênero o controle da pigmentação, por isso eles contêm abrasivos. Qualquer ação “clareadora” proposta pelos dentifrícios é limitada à superfície dental pelo tempo de contato. A maioria dos produtos que prometem branqueamento apresentam uma maior abrasividade dental, o que é indesejado em pacientes com restaurações estéticas, exposição dentinária, hipersensibilidade dental e dieta ácida. Não há benefício na adição do carvão ativado aos dentifrícios. Muitos não contêm fluoreto, alguns recomendam duas escovações consecutivas (a segunda com o dentifrício fluoretado), há relatos de acúmulo de partículas de carvão em bolsas periodontais, alterando a aparência gengival provocando manchas, além dos produtos em pó promoverem maior desgaste dental.
Dentifrícios controlam hipersensibilidade dentinária?
Antes da prescrição do dentifrício, é fundamental que a causa da hipersensibilidade dentinária seja identificada e tratada ou controlada. A determinação do tempo de uso desses produtos dependerá do diagnóstico do profissional. Assim, pacientes com sensibilidade após um procedimento de raspagem, por exemplo, podem utilizar esse tipo de dentifrício por um período de 4 a 8 semanas. Já outros, com sensibilidade associada ao consumo esporádico de alimentos ácidos ou à doença do refluxo gastroesofágico (ainda em tratamento), podem se beneficiar do uso prolongado. Existem dois mecanismos de ação pelos quais um dentifrício pode reduzir a sensibilidade. O primeiro é o uso de sais de potássio como dessensibilizantes, que têm ação neural e bloqueiam a transmissão do impulso nervoso até os centros da dor. O produto pode necessitar de alguns dias de uso para o efeito clínico, em média duas semanas. Se o produto deixa de ser usado, o efeito clínico é interrompido. Os sais de potássio estão presentes na formulação de alguns produtos para clareamento e para reduzir a sensibilidade dos produtos. O segundo é a utilização de dessensibilizantes de ação obliteradora, que tem, normalmente, início de ação mais rápido, formando compostos “isolantes”, ou seja, de ação mecânica. O grande desafio desses produtos é a resistência dos compostos depositados aos desafios do ambiente bucal, sobretudo os ácidos.
A erosão pode ser evitada com o uso de dentifrícios?
A erosão dentária é produzida pelos ácidos de produtos da dieta ou estomacal, e pode ser reduzida pelo uso de fluoreto, porém só o controle das causas solucionará o problema. O efeito do fluoreto nos dentifrícios reduz o degaste, ajudando a saliva na reparação do esmalte desmineralizado pelos ácidos. Dentifrícios contendo fluoreto estanhoso tem um efeito superior, porque ele torna a superfície dos dentes mais resistente a um futuro desafio ácido. Apesar do uso dos dentifrícios fluoretados reduzirem os índices de cárie na maioria da população, a prevalência de lesões não cariosas, como a erosão, tem aumentado. Na erosão, temos uma superfície dental que sofre perda mineral (“dissolução”), dificilmente reparada e com chance aumentada de sofrer desgaste pelo próprio atrito da língua e dentes ou escovação. Enquanto na cárie o efeito da escovação é benéfico, porque remove o biofilme dental, na erosão pode ser prejudicial, já que a remoção da superfície é “atacada e amolecida” pelo ácido. Para haver a formação de depósitos capazes de proteger a superfície dental da ação do ácido, são necessários produtos fluoretados de maior concentração, não associados a abrasivos. Géis e vernizes podem ser aplicados sobre a superfície limpa. A recomendação é diminuir a frequência de alimentos ácidos, sobretudo em intervalos de refeições, como limão em jejum, por exemplo; amenizado nas refeições principais, pois há maior salivação e presença de alimentos ricos em cálcio ou oleosos. Também, a recomendação após um episódio de refluxo ou vômito, ou mesmo a ingestão de alimentos ácidos, é o enxágue da cavidade bucal com solução fluoretada (bochecho com enxaguatório bucal). Isso possibilita alguma deposição de minerais, ainda que parcial, e que seria impedida se houvesse abrasão imediata da superfície amolecida.
Dentifrícios antiplaca / antigengivite funcionam?
Sendo o acúmulo de biofilme fator que desencadeia a gengivite, sua remoção mecânica é fundamental para o controle das doenças periodontais. Para ser classificado como antigengivite, o dentifrício tem que ser significativamente melhor no controle de biofilme e inflamação gengival do que o dentifrício anticárie simples. As substâncias antimicrobianas são introduzidas nestes dentifrícios, ajudando no controle mecânico do biofilme, o que confirma a necessidade de escovação e luso do fio dental. Há três tipos de produtos que ajudam nesse caso. O primeiro é formulado com fluoreto estanhoso. Dos dentifrícios que estão disponíveis comercialmente, têm até o momento as melhores evidências de efeito antiplaca / antigengivite vem do efeito antimicrobiano do estanho. Esses produtos têm também efeito na redução da halitose. Podem conter aditivos para controle de uma possível pigmentação e do tártaro. Já os produtos que contém sais de zinco têm efeito antimicrobiano reconhecido, porém menos evidente do que o dos produtos com fluoreto estanhoso. Por último, é precios falar que detergentes lauril sulfato de sódio (LSS), um detergente universal seguro, tem sido usado na maioria dos dentifrícios, adultos ou infantis.
O que é RDA (abrasividade dental)?
A abrasividade de cada creme dental é medido pelo RDA (Relative Dentin Abrasivity) que mede a abrasividade relativa à dentina. Os cremes dentais existentes no mercado apresentam um RDA entre 50 e 250, sendo que quanto maior o RDA mais abrasivo é o creme dental. O desejável é um creme dental com menor valor no RDA, sendo assim menos abrasivo e produzindo menor dano ao esmalte dentário. Para que os dentifrícios tenham função cosmética, precisam conter um sistema abrasivo para o controle de manchas / pigmentação dental. Abrasivos podem contribuir para o desgaste dos dentes e materiais restauradores, dependendo de uma série de outros fatores relacionados à escovação, como força e frequência, condições do meio bucal (pH, saliva), características do produto,estilo de vida, dieta do indivíduo, condições sistêmicas e uso de medicações. O esmalte dental saudável tem um índice de dureza superior à maioria dos abrasivos utilizados nos dentifrícios. Já uma superfície dental que apresente desgaste, pode sofrer uma desmineralização significativa com produtos de maior abrasividade e aplicando mesma força e direção de escovação. Com o aumento da expectativa de vida, maior utilização de materiais restauradores estéticos, incidência de lesões não cariosas / hipersensibilidade dentinária, tem havido uma preocupação dos profissionais em prescrever dentifrícios fluoretados e com grau de abrasividade inferior ao anteriormente preconizado, no entanto, RDA não está nas embalagens dos produtos.
Como diferenciar os dentifrícios veganos dos naturais?
Dentifrícios veganos são aqueles sem testes ou ingredientes de origem animal. São exemplos: Curaprox Be You, Ultra Action, Contente, Edel White, Colgate Zero, Boni Kids com flúor. Para serem classificados mundialmente como dentifrícios naturais, devem apresentar 95% dos componentes de origem natural, sem origem / testes em animais, sem substâncias como lauril sulfato de sódio / PEG / quaternário de amônio. São exemplos: The Humble Co. Natural (tubo reciclável, vendido no Brasil), Colgate Smile for Good (importado), Theory. (importado). Os dentifrícios naturais são veganos, mas nem todo dentifrício vegano é natural. Produtos sem menta / hortelã / cânfora são compatíveis com alguns tratamentos homeopáticos: Dental Clean Infantil com flúor, Elmex Homeopathy Mentholfrei (vendido na Europa), Tom’s of Maine Silly Strawberry (vendido nos Estados Unidos).
Pacientes alérgicos ou com irritação das mucosas devem usar que tipo de produto?
É importante que o profissional destaque na sua tabela de produtos advertências presentes na embalagem ou feitas pelo fabricante do produto. Por exemplo: indivíduos alérgicos à proteína do leite (não confundir com intolerância à lactose) não podem usar o dentifrício MI Paste One, já que contém Recaldent, um peptídeo com estrutura da caseína do leite. Alguns produtos contêm traços de leite e proteína do ovo. A maioria dos dentifrícios não contêm glúten. Pacientes que relatam irritação, sensibilidade na mucosa, aftas frequentes e dermatite de contato na região perioral devem receber prescrição de dentifrícios sem lauril sulfato de sódio e com menor concentração de flavorizantes. Adverter que o dentifrício possui pH ácido pode ser um dado importante para pacientes que passaram por tratamento com materiais restauradores estéticos. Os flavorizantes são importantes na composição dos dentifrícios, podendo contribuir para o aumento da frequência e do tempo de escovação, entretanto, quando em excesso ou em formulações inadequadas ou em pessoas com mucosas mais sensíveis, como as com redução do fluxo salivar ou xerostomia, pode causar irritações e descamações. Algumas vezes eles não estão especificados nas embalagens — que trazem apenas “sabor” — e, além disso, não sabemos a quantidade em cada produto. Dentifrícios contendo óleo de canela, usado para mascarar o sabor de outros componentes, como pirofosfatos, tendem a ser mais irritantes. Alguns dentifrícios “clareadores” contêm maior concentração de flavorizantes, os dentifrícios naturais e outros produtos, como o Colgate Zero, não têm flavorizantes artificiais. Dentifrícios formulados para pacientes com xerostomia têm pouca (ou nenhuma) menta e são sem óleo de canela. Esses produtos podem conter ainda diferentes tipos de adoçantes na composição, como sacarina, sorbitol, xilitol, etc. A sacarina é usada em concentração muito pequena e foi considerada segura para inclusão nas formulações de adultos ou crianças. Portanto, a escolha de produtos com adoçantes naturais é uma questão de preferência. Não há evidência de que dentifrícios fluoretados com xilitol tenham melhor efeito anticárie do que os produtos fluoretados com outros tipos de adoçantes porque o xilitol é um componente que apresenta baixa substantividade, ou seja, baixa capacidade de permanecer retido na boca, sendo liberado rapidamente.