Nesta sexta-feira, no Morumbi, o ex-jogador de toque refinado terá um enorme desafio pela frente diante do favorito São Paulo, em jogo único pelas quartas de final do Campeonato Paulista. Avançar no Estadual, claro, é um objetivo, mas o foco maior está na Série D do Brasileiro, que começa em junho.
Em entrevista ao Estadão, Elano falou sobre suas ideias sobre o futebol, externou sua preocupação com o momento das categorias de base por causa da pandemia do novo coronavírus, além de elogiar o trabalho do rival Hernán Crespo no São Paulo. Sobre o jogo, o agora treinador usa o mesmo discurso de quando era jogador antes de um clássico: “Todo grande jogo é gostoso”.
Você assumiu um trabalho em andamento, no final de abril. Qual tem sido sua prioridade neste primeiro momento?
Entrar no meio do caminho nunca é simples. Você chega com o campeonato em andamento, procura conhecer todo mundo e colocar suas ideias. Eu já ia começar um projeto na Ferroviária, o que eles me ofereceram foi muito bacana, que era montar um time para a Série D e, na sequência, disputar o Paulistão do ano que vem. O Pintado teve proposta e tudo aconteceu naturalmente. Eu já estava acompanhando o campeonato, assistindo aos jogos da Ferroviária e fiquei feliz por ter conseguido vir antes. Nos últimos jogos já consegui colocar aquilo que considero importante para a equipe, os resultados foram positivos, mas temos muito o que arrumar. É um trabalho que começou pelo meio, mas está sendo muito produtivo.
Foram seis meses entre sua saída do Figueirense até assumir a Ferroviária. O que fez neste período de seis meses para se preparar?
Todos os momentos desde que eu parei de jogar eu procurei me preparar, mesmo quando estava trabalhando. Fiz assim no Santos, na Inter de Limeira e no Figueirense. Foram situações diferentes que me deram uma bagagem importante na área de gestão como treinador, seja gestão técnica, de jogadores ou de estratégia. Eu estou fazendo os cursos, estou terminando o da licença PRO da CBF, que é o último que eu preciso. Estou lendo bastante, converso com amigos de dentro do futebol, procuro trocar conhecimento, entender a conduta dos treinadores. É uma constante evolução. A gente sempre tem algo para aprender. Estou me preparando tecnicamente, psicologicamente, na parte de estratégia, tática, para que eu possa minimizar os meus erros. É impossível como treinador não cometer erros, mas se conseguir minimizá-los, estamos mais perto da vitória.
Quem está te inspirando neste momento?
Jamais vou deixar para trás todos os treinadores com quem eu trabalhei. Todos eles foram importantes para o meu crescimento como atleta. Tem o Leão, em 2002, que me firmou como jogador. Depois taticamente trabalhei com o Luxemburgo, que me deu várias visões de esquema e formatos de jogar. Trabalhei com o Muricy e Parreira. Na Europa, trabalhei com o Frank Rijkaard, com o Sven-Göran Eriksson no Manchester City, depois o (Mircea) Lucescu no Shakhtar e o Dunga na seleção. São variações de personalidades e conceitos de futebol. Procuro entender tudo que vivi, mas tento colocar minha personalidade, meu jeito de ser. Isso é importante para a minha essência como treinador.
Com tudo que adquiriu, quais são suas ideias? Qual esquema tático prefere? Hoje estamos vivendo o retorno do 3-5-2, com São Paulo, Palmeiras e Corinthians jogando assim…
Se eu tivesse o time do Guardiola eu jogaria como ele, porque é bonito de ver jogar. Esta questão dos três zagueiros você precisa ter o perfil para fazer isso. O São Paulo tem. O Palmeiras tem. O Corinthians também. Eu conheço o João (Victor) e o Raul (Gustavo), eles estiveram comigo na Inter de Limeira. Apesar de altos são zagueiros de muita velocidade. Se quiser jogar assim, preciso de tempo para treinar. É um esquema que é muito perigoso sem ter tempo para trabalhar. Ele requer ajustes rápidos ou você acaba com mais gente defendendo e menos jogadores no meio de campo. Não sou muito apegado a esquemas. O formato que estamos atuando aqui na Ferroviária (4-5-1) eu identifiquei que o time conseguia produzir melhor. Claro que preciso preparar situações de emergência, positivas ou negativas, porque o jogo se desenha de várias formas. Você depende muito do time que tem nas mãos, identificar se é melhor jogar com dois zagueiros, três zagueiros, o lateral mais preso porque está enfrentando um extremo de velocidade. É algo complexo, que você precisa encaixar as peças. Esse é o desafio do treinador. As peças precisam se encaixar porque todas elas são importantes para o funcionamento da equipe, independentemente do esquema.
Entender este funcionamento acaba sendo uma virtude fundamental para o sucesso do treinador?
São duas situações. Vamos falar primeiro da Europa. O Guardiola tem 25 jogadores. Ele tem tempo para trabalhar, tem calendário, fica quatro, cinco anos no mesmo clube. Ele cria uma ideia e treina. Isso dá uma consistência e fica automático. A gente traz isso para o Brasil e não temos tanto tempo com os mesmos jogadores. O Renato é um exemplo positivo. Ele teve tempo (no Grêmio) e ganhou muitos campeonatos por causa disso. A nossa busca como treinador no futebol brasileiro é essa. A Ferroviária me deu um projeto, para eu colocar as minhas ideias e ajudar o clube a crescer, subir na Série D. Não podemos analisar o Brasil como Europa. Não estou fazendo uma reclamação. Quando decidi ser treinador, eu sabia dessas dificuldades. Mas aqui, por causa do calendário, treinamos pouco. Às vezes vejo algum comentarista falar que o time não está organizado. É normal, porque você não tem tempo de corrigir tudo no campo. Às vezes é só no vídeo. Sempre vai faltar alguma coisa.
O calendário ficou ainda mais apertado por causa da pandemia…
É um momento atípico. A gente quer tempo para trabalhar, mas precisa passar por esse processo. Muita gente precisa trabalhar. O maior prejuízo que vejo é o não retorno das categorias de base. É o sub-15, sub-17 sem jogar. Esses meninos vão fazer o quê? Essa é uma preocupação que precisamos ter. Temos jogadores jovens que estão há mais de um ano e meio em casa. Isso é muito grave. Essa molecada é o futuro do futebol. Espero que possamos passar por isso, que tenha vacina para todos, para seguir a nossa vida.
A base é um assunto que ficou um pouco esquecido?
Não estou aqui apontando o dedo para ninguém. O momento não é fácil. Tomar decisões não é simples. A gente entende. Mas o lado dos meninos é preocupante. São sonhos. As famílias dependem disso, como eu dependi lá atrás. As categorias de base são feitas de sonhos.
Voltando ao trabalho na Ferroviária, onde você está apostando em garotos também, são três vitórias e um empate, o que fez para conseguir uma resposta rápida do elenco?
Os atletas foram muito receptivos. Prezo demais no meu trabalho a gestão de pessoas. Procuro sempre me aproximar para entender o que acontece no clube. Estou chegando às oito da manhã e saindo às oito da noite diariamente. Eu almoço no clube, converso com os funcionários, com o técnico do sub-20, do sub-17, com o analista, com o roupeiro… E, no fim, com o jogador. Ele precisa ser ouvido, ele precisa ser entendido. Eu também estava acompanhando o trabalho na Ferroviária. Coloquei minhas ideias, mas a entrega e a dedicação dos jogadores foram positivas. É pouco tempo, mas o resultado aumenta sua autoestima, a alegria do vestiário é outra. Com isso, você pode corrigir. São 17 dias e já me sinto em casa pelo relacionamento que criei com todos.
Qual o tamanho do desafio que você terá pela frente contra o São Paulo?
Gigantesco. O São Paulo é favorito, joga no Morumbi. É uma equipe que cria muita dificuldade de ataque, joga com muita intensidade e energia. Mas estamos nos preparando. Vamos para jogar futebol. Quem não faz gol não ganha. Vamos tentar ter os setores organizados porque vamos enfrentar uma equipe forte durante 90 minutos. Será um grande jogo. Todo grande jogo é gostoso. Não é simples, mas ele é bom. Temos sempre que nos preparar para grandes jogos. Esse é um grande adversário e um grande jogo.
Como será enfrentar o Crespo, que, assim como você, foi um grande jogador?
Ele foi muito melhor do que eu (risos). Tem um peso gigantesco. Temos histórias diferentes, mas bonitas por Argentina e Brasil, representando o nosso país. O Crespo era artilheiro. Não à toa, o time dele faz muitos gols. É o perfil. O São Paulo é uma equipe que se defende bem, mas quando vai ao ataque é com cinco, seis atletas… São sempre quatro, cinco dentro da área porque ele sabe o atalho, sabe se o lateral colocar a bola no ponto x e o atacante estiver lá tem uma chance maior de fazer o gol. O São Paulo está sendo bem treinado, por um grande ex-atleta e hoje um treinador de ponta. É um grande desafio.
Será um jogo contra uma equipe comandada por um estrangeiro… Nos últimos anos tivemos trabalhos de sucesso, como o Jorge Jesus no Flamengo e o Abel Ferreira no Palmeiras, mas também outros negativos, como o Sá Pinto no Vasco. Como você vê esta questão de treinadores estrangeiros no futebol brasileiro?
Procuro não entrar nesta discussão. Temos grandes treinadores brasileiros. Alguns deram certo em um clube e não deram certo no outro. Os estrangeiros da mesma maneira. A única coisa que nós (treinadores) discutimos bastante é que os nossos cursos não servem para fora, na Europa e outros lugares. E os outros cursos lá fora servem para trabalhar aqui. Queremos apenas igualdade. Esses treinadores que vêm trabalhar aqui, como o Crespo, merecem o nosso respeito. São treinadores que fizeram grandes trabalhos. A única coisa que vejo é esta questão do curso. A gente paga caro para isso (fazer o curso). Então prefiro não entrar nesta discussão de se o estrangeiro é bom ou ruim. Se o brasileiro é bom ou ruim. Acho que todos estão agregando alguma coisa.
O que você planeja para o futuro, qual seu plano de carreira?
Enfrentar o São Paulo (risos). Brincadeira. A sequência do Paulistão é importantíssima, mas o planejamento da Série D já está sendo montado, alguns jogadores já estão se apresentando, porque em junho já começa. Quero fazer um grande trabalho aqui na Ferroviária. O projeto é muito legal. Vou ter chance de trabalhar com jogadores jovens, ele são o futuro e eu gosto bastante. Quero me aperfeiçoar, entender cada vez mais, ir crescendo e dando passos na carreira com calma, sem muita pressa.
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