Marcelo Ribeiro, Adriana Pugliesi e Beyla Fellous
O marco regulatório do setor de energia, cuja referência é a Lei 10.848, ganha especial relevância no contexto da transformação digital, que se reflete nos mercados de geração, comercialização, transmissão e distribuição do mercado energético, em franca modificação. Desse modo, é importante entender como as novas tecnologias — “TICs” (Tecnologias da Informação e Comunicação), “OTs” – Operational Technologies (Tecnologias Operacionais) e a inteligência artificial (machine/deep learning, Big Data, robotização, entre outras — podem tornar o sistema energético mais eficiente e, o que é muito significativo, proporcionar melhoria de qualidade com redução de custos.
A transição em curso no setor de energia baseia-se no chamado “triplo D”: descarbonização, descentralização e digitalização. A primeira ocorre pelo crescimento do uso de fontes renováveis e limpas, como biomassa, solar, hídrica, eólica e geotérmica. A segunda resulta do aumento da participação do consumidor na geração distribuída (criando a figura do prossumidor, cuja atuação é agora regulada pelo Marco Legal da Geração distribuída de Energia, Lei 14.300/22), enquanto a terceira permitirá melhoria dos processos de gestão em todo o ciclo de energia pela integração da informação.
Essas modificações vêm incrementando o mercado livre de energia, o que deverá favorecer a criação de novas estruturas de negócio, incentivando a autorregulação no setor. Espera-se que os avanços tecnológicos também proporcionem maior eficiência e segurança do abastecimento contínuo, maior alcance social (acesso a todos) e menor impacto ambiental, visando a melhoria na qualidade da vida de cada cidadão.
Um ponto a ser destacado é a eletrificação de veículos, plenos ou híbridos, destacando-se que os primeiros utilizam baterias ainda não produzidas no Brasil. Portanto, a progressiva transformação da frota encontra desafios que podem ser encarados também como oportunidades negociais, à medida que conecta dois relevantes setores da economia brasileira: elétrico e automotivo. Tal integração pode gerar soluções complementares para a questão da intermitência na geração de energia em fontes eólicas e solar, em função do desenvolvimento de baterias com maior capacidade de armazenamento, o que por certo criará ocasião favorável de investimentos no setor automotivo pela necessidade de mão-de-obra especializada em motores elétricos, logística reversa, e também reciclagem de componentes.
A regulamentação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para a atividade de recarga de veículos elétricos direciona-se para um sistema de intervenção mínima, para permitir que quaisquer interessados, como shoppings, postos de gasolina ou de serviços, possam empreender nesse setor, inclusive mediante exploração comercial, a preços livremente negociados. A tendência, como ocorreu nas experiências norte-americana e europeia, será a de que o mercado se auto-organize, com mínima interferência do regulador. Relativamente ao transporte público, o uso do ônibus elétrico já é realidade, mas poderá ser aperfeiçoado com uso de baterias, desde que desenvolvida a tecnologia necessária para tanto.
Note-se que estudos recentes indicam que o setor de transporte é responsável por 27% da emissão de gases de efeito estufa no mundo, com expectativa de que esse volume dobre até 2050. Assim, a eletrificação da frota veicular, no transporte coletivo e carros de passeio, apresenta-se como solução possível para reversão desse cenário, em benefício da saúde pública, melhoria da qualidade do ar e reduzindo a poluição sonora nos grandes centros.
Assim, o impacto da transformação digital no setor de energia também impulsiona as chamadas cidades inteligentes, nas quais se busca desenvolvimento econômico com a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, por meio de parcerias entre empreendedores e o poder público, com soluções baseadas na tecnologia da informação.
No setor de energia elétrica, as redes inteligentes aprimoram os sistemas de distribuição e transmissão de energia elétrica — criando uma sinergia entre os setores de telecomunicação e energia — pois o uso das TICs (tecnologias da informação e comunicação) tende a modificar substancialmente o modelo de negócios das distribuidoras de energia, hoje basicamente centrado na gestão de ativos. Provavelmente, também impulsionará um nicho de prestação de serviços ao consumidor, para atender a demandas oriundas da micro e minigeração de energia.
Por tudo isso, as mudanças no setor energético brasileiro, sob o influxo da nova econômica digital trará mudanças expressivas nesse mercado, abrindo oportunidade de novos negócios, muito provavelmente em crescente autorregulamentação. O cenário parece favorável a investimentos no setor de energia.
Marcelo Ribeiro, sócio de Regulatório da KPMG no Brasil; Adriana Pugliesi, professora do CEU Law School; Beyla Fellous, diretora do Executive LL.M. do CEU Law School