Treinador de Curry desenvolve programa para a evolução de jogadores de basquete

A pandemia causou inúmeras transformações no contexto esportivo. Algumas delas, ao que tudo indica, vieram para ficar, como os treinos individuais acompanhados à distância. Brandon Payne é técnico de Stephen Curry, armador do Golden State Warriors, duas vezes MVP da NBA. Ele lançou uma plataforma para fornecer atividades monitoradas e individuais a atletas, potencializar suas qualidades e minimizar seus pontos fracos. Tudo isso combinando força e habilidade com treinamento neuromuscular e cognitivo, a fim de melhorar a performance. “Ajudamos os atletas a reconhecer passes e jogadas cada vez mais rápido. A ciência melhora o desempenho”, disse Payne ao Estadão.

Curry é assistido por Payne há mais de uma década. O técnico é responsável pela plataforma Accelerate Basketball (www.acceleratebasketball.com). Em entrevista ao Estadão em um evento da Under Armour, Payne explicou como surgiu a ideia de desenvolver o programa personalizado de basquete e quais resultados têm obtido nos quase 20 anos de desenvolvimento.

“A ideia veio há muitos anos, quando eu treinava basquete de colégio e universitário nos Estados Unidos. Eu tinha de lidar com o condicionamento da força, e todas as vezes pedia para os jogadores fazerem várias coisas diferentes e gastava muito tempo nisso. Eu tive de descobrir uma fórmula em que fosse mais eficiente, mais efetivo, para conseguir mais velocidade e força e como combinar esses dois conceitos”, explicou Payne.

Foi então que surgiu a ideia do Accelerate Basketball. O técnico observou como os atletas retinham informações e passaram a trabalhar mais rápido. Ele então começou a estudar sobre o processo cognitivo como um todo, aprendeu sobre o corpo humano e a forma de aprendizado dos jogadores.

“Muitas vezes o jogador não acha que o jogo é claro ou rápido. Eles podem fazer movimentos e decisões que desperdiçam tempo. É para torná-los mais eficientes, eliminando os pontos não necessários. Isso é como eu tive essa ideia, e isso faz 20 anos. Desde então tenho muita tecnologia introduzida no espaço que nos ajuda não apenas a rastrear os pontos estatisticamente, mas também a gente pode fazer retestes e continuar a fazer melhorias.”

O Accelerate Basketball trabalha com atletas jovens e adultos, através de vários protocolos (grupais ou individuais) e com diversas finalidades. O objetivo, segundo o próprio programa, é combinar força e habilidade com treinamento neuromuscular e cognitivo, a fim de melhorar a performance. “Quanto mais rápido seu cérebro se comunica com seu corpo, mais efetivo e eficiente você será em quadra.”

O PROCESSO VISANDO OS RESULTADOS – A combinação de protocolos personalizados de Brandon Payne tem mostrado resultados bastante promissores, dia após dia. A prova maior disso é o próprio Curry, que de coadjuvante na NBA passou a ser um dos jogadores mais habilidosos da liga. Tudo isso após se unir ao treinador pessoal. No entanto, Payne alerta: os resultados não acontecem de um dia para o outro. “Stephen Curry é uma boa representação do que o programa pode fazer. Eu acho que ele foi muito bem, é um bom exemplo do programa, e isso leva muito tempo e longevidade. Foram mais de 12 anos para obter os resultados que nós tivemos.”

Payne acredita que Curry não é uma exceção. Que há outros atletas que ainda poderão se tornar tão bons quanto o astro dos Warriors. Mas, para isso, é necessário respeitar que tudo se trata de um processo a longo prazo. “Uma das coisas que acontecem aos jogadores mais jovens da NBA é que eles pulam de um treinador para o outro. Não é errado, mas você não fica num protocolo organizado, de mês a mês, de ano a ano. Isso dificulta a progressão e a construção de um protocolo”, explicou.

“O desenvolvimento de jogadores é algo a longo prazo. Muitos atletas novos não entendem que eles não podem fazer as coisas em um mês ou dois e ter resultados. Isso necessita de anos para se ajustarem à informação, para ter o processo de desenvolvimento completo para ter os resultados”, completou o técnico.

A EVOLUÇÃO DE CURRY – Payne conta que conheceu Stephen Curry durante o locaute da NBA nos anos 2010/2011. Na época, o armador não tinha o prestígio que tem hoje. Muitos jogadores da liga tinham a possibilidade de treinar individualmente, o que não era seu caso.

“Ao todo, 20 jogadores da liga estavam trabalhando comigo naquela época”, disse Payne. Em determinado dia, o treinador foi visitar um de seus atletas na fisioterapia e se encontrou pela primeira vez com Curry. No dia seguinte, o jogador de Golden State aproveitou uma brecha na agenda do técnico e iniciou seu trabalho.

“Ele era muito limitado na época, porque tinham muitos jogadores da NBA na academia que estavam recebendo atenção especial”, lembrou o técnico. “Eu tive que explicar exatamente o que estava fazendo, como ia proceder e como as coisas iam evoluir. No fim do primeiro treino, dei meu número para ele, disse que esperava que tivesse gostado do que fizemos. Perguntei a ele se gostaria de tentar novamente. Mais tarde, naquela noite, ele me ligou e disse ‘quero trabalhar amanhã às 7 horas da manhã’. Nós estamos trabalhando juntos desde então.”

A base para uma parceria tão duradoura e com tantos resultados é a de confiança mútua. Ambos sabem seus respectivos papéis dentro do programa. O respeito pelo processo fez de Curry quem ele é hoje no basquete mundial.

O DIFERENCIAL – “A coisa mais importante é o conhecimento básico e como ele usa as lesões que ele teve no início da carreira para aumentar o conhecimento de como seu corpo funciona”, explicou Payne sobre o que diferencia Curry dos demais jogadores da NBA. “Ele tem a capacidade de se articular, de se conhecer e dizer aos treinadores exatamente o que aconteceu e como está se sentindo, melhor que os outros.”

Payne ainda fez questão de destacar o conhecimento básico de Curry sobre si mesmo, sua vontade de fazer perguntas, de se importar com a informação e a alegria que ele tem pelo jogo. “Isso realmente separa ele de todos os outros. Eu acho que vamos continuar a ver isso acontecendo. Eu não acho que ele vai parar ou diminuir o ritmo. Eu acho que ainda temos muita coisa a ver do Stephen no futuro.”

CONSELHO – Como seu trabalho tem dado bons resultados nas últimas duas décadas, Payne se permitiu aconselhar jovens jogadores que pretendem ter um desenvolvimento semelhante ao que os grandes jogadores têm hoje em dia. Para ele, o ponto de partida é consumir basquete, assistir jogos, ler e estudar sobre isso, assistir a vídeos e lances. Este é o primeiro passo.

“O próximo passo é entender que existem coisas que podem ser feitas todos os dias para melhorar”, declarou. “Todo dia é preciso trabalhar bastante para ficar melhor fisicamente e entender todas as formas que você pode aperfeiçoar numa base diária. Sempre têm aprimoramentos a serem feitos diariamente.”

O treinador é bastante didático e tenta levar isso para seus treinos. “Se você olhar para jogadores como Stephen Curry ou Luka Doncic, eles são caras que não têm características inacreditáveis do ponto de vista físico. Esses caras tiveram de superar obstáculos para serem grandes, em vários níveis”, comparou Payne. “Por mais que as pessoas entendam como esses caras estão aprendendo e tendo sucesso na NBA, mas não necessariamente não têm o tamanho ou o físico dos outros, isso mostra que muitos atletas podem fazer muitas coisas se forem realmente dedicados e se desenvolver processos para se tornarem melhores. E aí vão se tornar ótimos jogadores.”

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