Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
Tomamos já uma certa distância, mas os últimos acontecimentos climáticos que varreram uma grande parte do Estado do Rio Grande do Sul, continua a martelar em nossas mentes, em cada imagem, em cada depoimento, ficamos estarrecidos com o que está se sucedendo, a destruição foi imensa, disso ninguém tem a menor dúvida, a perda de muitas vidas humanas, as perdas materiais, a perda da esperança, tudo isso e muito mais nos faz pensar no que estamos fazendo com a nossa comum, com o meio ambiente em geral ao nosso redor, onde tudo isso irá nos conduzir, que mundo afinal teremos amanhã para nós e nossos descendentes? Caso alguém não tenha ainda refletido sobre essa e outras questões, é bom começar a fazê-lo desde já, afinal, o que atingiu o Rio Grande do Sul pode atingir qualquer estado brasileiro; notamos bem que não interessa apenas boas intenções.
Quase ao mesmo tempo, só que agora no continente africano, mais precisamente no Marrocos, um terremoto sacudiu esse país incrível, milhares de vítimas fatais, destruição de casas e monumentos milenares, patrimônios da humanidade, assim como se deu no Rio Grande do Sul, os depoimentos das pessoas marroquinas são impressionantes, uma multidão perdeu tudo; a magnitude desse tremor foi superior a muitas bombas atômicas explodindo ao mesmo tempo, sendo assim notamos que a natureza é muito mais poderosa do que a nossa vã imaginação pensa, que todos nós temos sido apernas ínfimos grãos de areia no meio dessa cadeia destrutiva. Quando um evento dessa natureza acontece, o que era precário tende a ficar ainda pior, estamos longe do Marrocos, mas pelas notícias que nos tem chegado, o governo de lá é sim muito seletivo em questões de ajuda humanitária.
Numa sucessão de eventos coincidentes, eis que num repente ficamos atordoados com uma enchente ocasionada pelo rompimento de duas barragens em pleno deserto da Líbia, também um país africano, ali os mortos podem chegar a quarenta mil, segundo alguns relatos. A Líbia, além dessa tragédia, também enfrenta outras tais como uma enorme turbulência política, o que agrava a situação ambiental, os líbios estavam muito mais acostumados às suas guerras particulares, milícias islâmicas extremistas, do que com um desastre ambiental que sequer imaginavam que pudesse sacudi-los, mas ele veio sem ser convidado, mesmo sendo desprezado pela enorme maioria, um evento extremo chegou e tomou conta do pedaço; a vulnerabilidade da Líbia, do Marrocos e do Rio Grande do Sul são notórias, então assim ficamos sabendo que não há chão seguro para nenhum de nós.
Talvez o mais espantoso nesses três eventos extremos foi a sua rapidez com que aconteceram, a sociedade “moderna” continua a não dar bola para os sinais que a Mãe Terra está emitindo com frequência cada vez mais acelerada; uma sociedade que busca a rapidez a qualquer custo em todas as áreas, é absolutamente lenta e descuidada quando o assunto é meio ambiente e alterações climáticas, tem sido assim em todos os lugares, sempre estamos trazendo à tona aquela velha máxima: “aqui nunca aconteceu tal coisa”, assim vamos nos iludindo com os cliques intermináveis em nossos celulares, nas centenas de canais televisivos que nos enchem de banalidades todos os dias. A tecnologia fez muito pouco ou nada nesses três eventos e agora ela se cala de vez, sua incapacidade é flagrante quando o assunto é conscientizar as pessoas de que elas precisam ouvir o meio ambiente.
Muitos estudos tem sugerido que o Planeta Terra possui nove limites, são eles: integridade da biosfera, mudanças climáticas, mudanças na água doce, acidificação dos oceanos, destruição da camada de ozônio estratosférico, carga de aerossóis atmosféricos, mudanças no sistema terrestre, introdução de novas entidades, como produtos químicos sintéticos e resíduos nucleares. Numa palavra, o antropoceno se faz presente em todo lugar, sua ação é cada vez mais intensa, a Terra acaba não suportando, assim ela acaba se tornando uma bomba relógio, explodindo aqui, ora ali e ora acolá; a ação humana não tem tido limites, onde pousa a mão humana, cedo ou tarde as consequências aparecem, a voracidade humana em explorar a Terra retirando dela até o que ela não possui, parece ser a tônica; nesses três eventos, sim notamos que o ter tem precedência absoluta sobre o ser.
Bioeticamente, o que assistimos nos últimos dias, isto é, eventos climáticos extremos, deveriam causar em nós uma mudança rápida de mentalidade, mas isso ainda vai levar muito tempo para de fato acontecer, fingir que nada está acontecendo parece ter sido a melhor escolha que sociedade e os governos encontraram, só depois de uma tragédia sem precedentes é que acordamos do nosso sonho utópico e pior ainda ilusório, aí então nos damos conta que a realidade é muito maior, que a natureza não aceita ser domada na base da violência e usurpação desmedida. Mais do que tecnologia, do que computadores de última geração, mais do que drones e mais do que fantasias mirabolantes, precisamos aceitar que a Mãe Terra está pedindo a nossa ajuda, que precisamos melhorar a nossa convivência, que nós não podemos tudo e que também não vamos conseguir tudo, que a busca pelo progresso sem fim é uma miragem, uma realização impossível de ser conseguida; aí reside a verdadeira sabedoria; que somos apenas humanos e não deuses.
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