Flori Antonio Tasca*
Existem casos em que acontecem brincadeiras indevidas entre alunos sem que isso seja caracterizado como bullying, pois esse tipo de agressão tem características específicas. A configuração de certa brincadeira como bullying exige robusta fundamentação. Ao mesmo tempo, se a escola agir de maneira adequada para lidar com tais brincadeiras, inexiste ato ilícito que possa justificar uma reparação financeira ao aluno que foi vítima delas. São conclusões que se tira da Apelação Cível 402632-04.2015.8.19.0001, julgada no dia 04.06.2019 pela 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Foi relatora da matéria a desembargadora Maria Aglaé Tedesco Vilardo.
Trata-se do caso de um adolescente que dizia ter sido vítima de brincadeiras por parte dos seus colegas de classe. Além de palavrões e palavras ofensivas dirigidas à sua pessoa, alegava o estudante que esses colegas também passavam a mão em suas nádegas. Essa situação teria feito com que começasse a faltar em muitas aulas, o que provocou a queda no seu rendimento escolar. Afirmava ainda que era chamado pela equipe pedagógica, mas depois desses encontros as agressões inclusive se intensificavam. Por outro lado, dizia que os seus colegas, ou seja, os agressores, não eram chamados pela equipe pedagógica.
Houve inicialmente uma ação em que a mãe do aluno requeria reparação por danos morais e materiais, mas o pedido foi julgado improcedente. Na presente ação, quem requeria as reparações era o próprio aluno. O pedido foi acolhido em primeira instância, condenando-se a escola a pagar compensação de R$ 25 mil ao estudante. Houve recurso por parte da escola, que defendia a nulidade da sentença por falta de fundamentação, pois o magistrado teria se baseado em um único documento que sequer trataria especificamente do bullying, mas da transferência do aluno. Ademais, não teria havido bullying nenhum, apenas questões disciplinares que receberam o tratamento adequado da escola. Também foi argumentado que o próprio comportamento da mãe trazia dificuldades ao aluno.
Ao avaliar o caso, a relatora ponderou que, de fato, a fundamentação da sentença era insuficiente para se configurar o bullying. Na verdade, a conclusão do magistrado era baseada unicamente em um documento que servia como comprovante de transferência do aluno, sem nada comprovar quanto a eventual prática de bullying. Ainda que tenham ocorrido episódios de brincadeiras indevidas, elas não chegariam a caracterizar bullying. Entendeu-se que o julgamento ocorreu sem valor probatório significativo e que, como a escola havia alegado, houve apenas questões disciplinares que foram resolvidas.
Foram demonstradas dificuldades de adaptação do aluno ao ambiente escolar, inclusive com o relato de uma psicóloga a sugerir que dificuldades de comportamento, como baixa autoestima e insegurança, já existiam antes da alegada prática de bullying. Nesse cenário, o que se observou foi que a escola se preocupou em resolver o episódio específico em que o aluno havia sido, fato, vítima de brincadeiras indevidas. Afinal, a escola puniu os envolvidos com suspensão de dois dias e depois organizou um encontro de reconciliação entre eles. Isso evidenciaria que a escola não esteve omissa em relação às reclamações.
Considerou-se que há eventos passíveis de ocorrer em qualquer instituição de ensino, mas não se poderia dizer que, no presente caso, a escola tenha tratado os fatos de maneira irresponsável. Foram tomadas as providências necessárias, pois a equipe pedagógica interveio, os alunos foram suspensos e tiveram que pedir desculpas. Mais não se poderia exigir por parte da escola. A relatora lembrou que o Tribunal tem agido para não banalizar o conceito de bullying e a concessão indiscriminada de reparações financeiras. Só haveria falha se a escola deixasse de dar o tratamento adequado ao problema, o que não se verificou. Assim, inexistiu qualquer ato ilícito que justificasse uma compensação.
O voto da relatora, em consequência, foi pela reforma da sentença, acolhendo o recurso apresentado pela escola e afastando a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, pois não se vislumbrava falha no seu modo de agir diante da situação. Os demais membros do colegiado endossaram o entendimento da relatora e, com isso, foi de fato reformada a sentença de origem.
*FLORI ANTONIO TASCA
Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa.
Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.
fa.tasca@tascaadvogados.adv.br
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