Um tempo demasiado incompleto

            Não temos assim motivos óbvios para comemorarmos qualquer tipo de conquista, seja no esporte, seja na política ou até mesmo em nossas vidas cotidianas, por onde olhamos, por onde passamos, vemos ou lemos, um mar de incertezas grassa por todos os lados, clima, guerras, um mundo cada vez mais se amparando em métodos arcaicos de conservadorismo, como se isso fosse resolver qualquer tipo de crise, quando na verdade os conservadorismos e políticas excludentes só fazem reforçar todo tipo de revolta e inimizades; os animadores desse tipo de cenário só querem vender seus produtos de morte, não lhes interessa a paz, uma convivência pacífica entre os povos, a banalização da vida vem atingindo níveis difíceis de serem suportados, nossa memória vem dando espaço cada vez mais para aparências de verdades, sempre baseadas nos modismos e seus achismos.

            O ser humano quando leva às últimas consequências o seu modo de existir e isso agora é uma constante, esquecendo outras vozes que também são importantes nesse cenário, ele é um causador cada vez mais de instabilidades, a capacidade humana em muito progrediu não nos resta dúvida, mas ao que tudo indica ela não tem beneficiado todo o conjunto, quem detém o conhecimento, quem está cercado de vantagens, aqueles que dominam pela força, acabaram criando um mundo em camadas, uns mais, outros milhões menos, inovar excluindo, explorar destruindo, prevalecer matando inocentes, lucrar jogando milhões na fila de espera para ver se sobra algo. Nosso mundo nunca esteve tão dividido como agora, tão fraco por ter obtido tantas conquistas, qualquer previsão sobre o amanhã é retórica falaciosa, aqueles que querem consertar o mundo só com a violência vão perecer.

            Dias atrás, na costa da Sicília, Itália, mais precisamente no Mar Mediterrâneo,  ocorreu um desastre vitimando várias pessoas, esse tipo de acidente também nessa região tem acontecido de modo cada vez mais frequente vitimando pessoas despossuídas de praticamente tudo, sem nome, sem voz, sem nacionalidade, no primeiro caso uma cobertura midiática sem precedentes, no segundo caso, quando ocorre tais fatalidades, quase nada ou nada mesmo é publicado. No primeiro caso vão-se até as últimas consequências para descobrirem os reais motivos do afundamento do veleiro milionário e no segundo caso, os mortos apenas ficam boiando em praias desertas, gélidas. Atores conhecidos e anônimos, a realidade desmascarando uns e outros, tudo se dissolvendo em minutos, todos somos testemunhas de um fim de uma era e o nascimento de outra incerta.

            Não podemos deixar também aqui de mencionar as duas guerras ferozes que estão acontecendo agora, ucranianos e russos numa ponta, israelenses e árabes na outra ponta, assistimos atônitos que aqueles que promovem a paz mandam todos os dias mais e mais armas para essas nações se matarem, a paz que deveria ser um caminho breve devido a tantas desgraças ocorridas, é na verdade um tortuoso e longo caminho a ser alcançado devido aos inúmeros jogos de poder envolvidos. Nesses dois conflitos, os quais deveriam já ter acabado faz tempo, percebemos que os seus promotores querem de modo vergonhoso que quanto pior fique o conflito, melhor para eles, para os fabricantes de armas lucrarem ainda mais com suas atrocidades devidamente programadas e localizadas cirurgicamente; essa experiência de mundo que estamos tendo, deixará marcas profundas.

            Bioeticamente, cada um de nós está tendo uma experiência única de existência, de relação com o seu local e também com o seu global, ser expectador nessa trajetória conflituosa não é a melhor solução, nem tudo está perdido, ao lado de tantas ignominias há também muitas belezas, pessoas generosas que nos estendem as mãos, que nos levantam, em cada momento uma nova chance, se conformar com esse mundo doido definitivamente é algo inaceitável, os excessos são venenos, o caos pode ser extirpado a partir dele mesmo, ou seja, no caos podemos encontrar saídas. Não se conformar com tudo aquilo que nos é feito para iludir, não aceitar aquilo que nos afasta do convívio com o outro, bem como o meio ambiente; muros, fronteiras e todas as divisões existentes, só nos deixam mais pobres, mais dependentes uns dos outros, o perigo é não admitir a realidade tal ela é.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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