Quando eu era pequeno, gostava de me deitar no capim, barriga para o ar, e ficava olhando os urubus, quase pontos negros, perdidos nas alturas, naquelas funduras do céu. Eu pensava que eles deviam ser entes encantados: como podiam voar sem que suas asas se movessem? Com certeza, tinham um pacto secreto com o vento, amigos conhecidos de longa data, que agora brincavam juntos.
Eu tinha inveja deles. Imaginava as coisas que eles viam e eu não. E pareciam tão leves! Livres, naquele espaço imenso, enquanto eu ficava preso ao meu peso e aos caminhos já trilhados e cercados. Como se eu fosse um animal doméstico e eles selvagens, soltos.
Acho que foi daí que nasceu o meu fascínio pelas pipas. Elas eram o mais próximo que podia chegar de voar. Sei que o brinquedo que minhas mãos construíram e fizeram subir ao vento, estava lá em cima, próximo dos urubus. Como se a pipa fosse uma extensão do meu corpo, e eu voasse com ela, ficando, nas minhas fantasias, tão livre quanto as aves que planavam, fáceis, nas alturas.
Não é assim com todo mundo? Às vezes fico olhando para as pessoas: olhares perdidos, atravessando as imensidões do céu, como se no azul infinito que morassem as coisas das quais sentissem saudades. Em cada olhar perdido, um desejo de voar, ir até bem longe. Que significará este fascínio com o céu? É estranho, porque o céu nada mais é que um imenso vazio. Olhe para cima e veja. Se assim não fosse, como poderiam, por ele, trafegar as nuvens? Os pássaros não poderiam voar – não é isto que é o voo, um mergulho no vazio? E o arco-íris e as estrelas, não as poderíamos ver. Vazio pode parecer uma palavra triste, que diz de solidões e distâncias, abandono. Mas será isso tudo que o vazio contém? Penso nas mãos que se juntam, em concha, para acolher no seu vazio a água que corre da bica. Os braços que se abrem para o abraço, marcando com este gesto o vazio reservado para a pessoa amada, que ainda não chegou. O ventre da mãe, vazio quente/escuro, onde a vida vai crescendo, ocupando o espaço que o corpo lhe vai abrindo. E que dizer do colo? Vazio que acolhe.
É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que cresça o bem querer. Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo, mas o colo que acolhe. Como seria bom se as outras pessoas fossem vazias como o céu e não tão cheias de palavras, de ordens, de certezas.
Hoje, tantas coisas que enchem o nosso espaço, as aves que se domesticam, trocam o selvagem do voo pela facilidade das rações distribuídas a granel. Para que voar? Acomodamo-nos a um espaço entulhado de imagens, de ordens, de mensagens, de experiências e em casa, tudo já se encontra pronto. Curiosa deformação esta: pensarmos que os espaços fechados e entulhados sejam bons para a vida e para os sorrisos. Já não mais olhamos para os céus com nostalgia. As aves já nada nos dizem. Também elas estão fugindo.
Quando rezo sinto uma sensação de leveza, uma força que me faz voar. Ao pronunciar a minha oração ao Pai, sinto um imenso vazio, espaço que se abre para a vida, colo que me embala e voz que me diz: “Meu filho, estou aqui”.
Pe. Lino Baggio, SAC
Paróquia São Roque – Coronel Vivida
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