Convocados a pedido do ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Velloso, engenheiros dos três contingentes militares estiveram diretamente ligados ao desenvolvimento do projeto entre 1995 e 1996. No site do TSE, no entanto, a única menção aos militares é sobre o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), entidade de pesquisa das Forças em São José dos Campos (SP).
Capitão de corveta na época em que colaborou com a criação da urna, Luiz Otávio Botelho foi o representante da Marinha no projeto. Responsável por desenvolver o teclado, o monitor e o algoritmo de votação da urna, ele disse que a sua participação no projeto foi “técnica” e nunca foi procurado por superiores para comentar a elaboração do dispositivo.
Em 1998, Botelho assinou um termo de cessão dos direitos autorais ao TSE pela criação da urna. À reportagem, ele defendeu o papel da informatização na melhoria do sistema eleitoral. “Foi uma grande contribuição, não só das Forças Armadas, mas de todos aqueles que participaram do projeto de melhoria do processo eleitoral com o intuito de torná-lo mais aberto.” Hoje na reserva, o militar relatou que a preocupação da equipe era acabar com a demora na contagem dos votos. “Foi um grande passo naquele momento, que tinha uma apuração lenta e complexa. O Brasil avançou em relação a outros países. O nosso processo se tornou muito mais limpo, rápido e preciso”, disse. “Tivemos a preocupação de torná-la a mais segura possível e minimizar qualquer problema de tentativa de burlar o sistema. Queríamos que ela fosse decente e confiável.”
É recorrente entre os participantes do processo que modernizou o sistema eleitoral vincular as Forças a uma colaboração com quadros técnicos, sem maiores intromissões no poder da Justiça Eleitoral. Não é bem assim. Os engenheiros militares contribuíram na execução de um “sonho nacional” por eleições mais limpas desde as tumultuadas disputas entre liberais e conservadores no Império e do voto de cabresto da República Velha. A colaboração de quadros militares de expertise reconhecida, em certa medida, conferiu credibilidade ao dispositivo em desenvolvimento.
‘Limpas’
No dia 8 deste mês, Bolsonaro subiu o tom e fez novas ameaças ao modelo de votação brasileiro. Os ataques se repetiram no dia seguinte, com insultos ao atual presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, chamado de “imbecil” pelo chefe do Executivo. “Ou fazemos eleições limpas ou não temos eleições”, disse Bolsonaro a apoiadores. Ele é defensor da proposta de emenda à Constituição (PEC) em tramitação na Câmara, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que prevê a impressão do voto computado, a fim de auditá-lo mais uma vez. O atual modelo da urna já possui mecanismos de auditagem.
Os comandantes das Forças, como determina o regramento militar, nunca se posicionaram de forma objetiva sobre o atual modelo eleitoral. Atualmente, as Forças contam com cinco militares de alta patente no primeiro escalão do governo e 6.157 membros em cargos civis da administração pública federal, segundo dados do Tribunal de Contas da União. “Dependendo da forma como o voto impresso for aprovado, seria o recibo para o cacique político reclamar do seu eleitor. Seria a volta do voto de cabresto. O eleitor perderia a independência que o voto secreto lhe deu”, afirmou Velloso.
Histórico
Era carnaval de 1996 quando o grupo de trabalho formado por técnicos de renomados laboratórios, tribunais eleitorais e das Forças Armadas finalizou o protótipo da urna eletrônica e encaminhou o projeto para o TSE dar início ao processo de licitação que replicou em larga escala o novo modelo de votação brasileiro.
Naquele ano, cerca de 32 milhões de brasileiros digitaram pela primeira vez os números correspondentes às legendas de seus candidatos e escutaram o som da confirmação do voto, que ecoa na seção eleitoral. Na eleição municipal de 2000, todos os eleitores já haviam dado adeus ao voto em cédula de papel. Aos 25 anos, em 2021, a urna eletrônica se consolidou como modelo de votação e levou o Brasil a ser vitrine internacional.
À época em que foi idealizada por Velloso, presidente do TSE no biênio de 1994 a 1996, a urna eletrônica tinha como principal objetivo o combate a fraudes eleitorais, reincidentes no País. “Cheguei à conclusão com o ex-ministro (Sepúlveda) Pertence de que era preciso afastar a mão humana da apuração para evitar erros e a solução seria a informatização”, afirmou Velloso.
Um dos últimos casos de fraude ocorreu nas disputas por cargos de deputado estadual e federal nas eleições de 1994 no Rio. O pleito em cédula de papel foi anulado pelo alto número de inconsistências nos votos.
‘Notáveis’
Em resposta, Velloso convocou intelectuais para que fosse estruturado o processo de informatização do voto. A reunião de nomes como Miguel Reale, Ives Gandra, Cármen Lúcia, entre outros, fez com que os colaboradores fossem chamados de “grupo de notáveis”.
Foram eles os responsáveis por oferecer as diretrizes para a comissão técnica elaborar o protótipo da urna e executar os códigos de criptografia. A pedido de Velloso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) cedeu profissionais (Ézio Salgado, Mauro Hashioka e Paulo Nakaya), assim como o Instituto de Estudos Avançados da Aeronáutica (Oswaldo Catsumi), o Exército (Major Elifas Amaral), a Marinha (Luis Otávio Botelho), a Telebras (Antônio Milan) e TREs (Roberto Siqueira, Gilberto Circunde, Roberto Fonseca, Célio Assumpção, Mário Colaço, Jorge Freitas).
Diante do anúncio de que o Brasil iria informatizar o sistema eleitoral, diversas empresas internacionais passaram a procurar o TSE, mas Velloso defendeu a criação de um produto nacional. “Os preços eram altíssimos e ofereciam urnas eletrônicas do tamanho de uma geladeira. O Brasil precisava ter uma urna que fosse segura e barata, então optamos por adotar o teclado do telefone. Todo mundo sabe telefonar”, relembrou o ex-ministro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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