Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
O Brasil possui sim muitos personagens de vulto, disso não nos resta nenhuma dúvida, existem aqueles que são cultuados em demasia, há ainda aqueles que surgem num momento qualquer como salvadores da pátria e existem também aqueles que não fazem alarde, não frequentam as badalações midiáticas estonteantes, vivem na margem, ali onde a realidade se desenrola com força, vigor e dinamismo. O Brasil de tantos séculos, o Brasil construído pelas mãos de milhões de pessoas, passa hoje por um momento muito especial em sua história, essa nem melhor nem pior que a dos outros países, um país mergulhado radicalmente na busca por dias melhores, num projeto que abra oportunidades para todos, uma nação que seja referência para todas as dimensões da vida; esse desejo mais do que legitimo é partilhado por muitos atualmente, um em especial queremos agora trazer à tona.
Seu nome: Leonardo Boff, é natural de Concórdia, 83 anos recém completados, denso nas palavras, profundo no pensar, arguto nas observações, sintonizado com os principais desafios que se apresentam para com a vida atualmente, aborda temas que muito poucos hoje se atrevem a fazê-lo, não é raro ouvir de amigos e adversários de que Leonardo Boff está muito à frente do seu tempo, por isso em muitas situações é difícil compreendê-lo em profundidade. Teólogo e filósofo, professor em diversas universidades brasileiras e do exterior, autor de inúmeras obras, leitor extremamente dinâmico, aplaudido, mas também condenado ao silêncio; o rol de autores que circulam em sua vasta órbita nos é impossível de descrever em pormenores, provavelmente levaremos décadas, quem sabe séculos para absorvermos todas as suas ideias, pessoas assim são raras, uma num milhão.
Na esteira dos grandes mestres, Boff vai de Karl Marx ao Papa Francisco num piscar de olhos, da democracia às novas formas de totalitarismos, de Mestre Eckhart, pensador medieval fecundo às favelas do século XXI, com todas as suas situações de vida, mas também de morte merecem a sua reflexão; indagar sobre o que o ser humano está fazendo da sua existência, assim como está fazendo com a existência dos outros e da natureza em geral, é uma tarefa gigantesca, Boff dá sua contribuição trazendo sempre uma novidade que inquieta, desestabiliza o já consolidado, o sempre aceito pelo senso comum. Em muitos atualmente, a palavra “revolução”, causa suor, calafrios, temores e tremores assim como uma ojeriza sem precedentes, Leonardo Boff propõe a sua “revolução”, ou seja, aquela que não é baseada nas armas, nas guerras, na destruição do meio ambiente e nem na mentira.
Duas obras recentes de Leonardo Boff merecem destaque: a primeira chama-se “O doloroso parto da Mãe Terra: uma sociedade de fraternidade sem fronteiras e de amizade social”: uma obra composta de quatro elementos estruturantes, isto é, as sombras que nos cercam, a nova era geológica onde estamos imersos, a humanidade contida em cada ser humano e aquilo que poderá nos salvar como espécie. Em cada um desses elementos há uma série de outros temas, tais como os diversos sinais emitidos pela Mãe Terra, as novas formas de escravidão que aparentam liberdade plena, as ameaças à Casa Comum, os nacionalismos exacerbados que põem em perigo os direitos humanos e que o paradigma dominante, calcado na razão humana e instrumental foi, é e será sempre incapaz de dar a palavra final em relação à vida, ao meio ambiente e a todas as situações que nos rodeiam.
A segunda obra de Boff chama-se “A grande transformação”, um escrito dedicado ao economista húngaro-americano Karl Polanyi (1886-1964), autor que tratou da economia e principalmente da mercantilização da vida em todas as suas esferas e a incessante transformação do ser para que viva produzindo, pilhando, organizando, competindo com tudo e contra todos, tirando o máximo da natureza e devolvendo o mínimo, isso quando ele decide a devolver. A crise econômica sistêmica de 2008 pouco ou nada ajudou os seres humanos a refletirem sobre o presente e foi justamente essa falta quase completa de pensar que levou a humanidade agora a mudar radicalmente o seu curso; as perdas que até então eram simplesmente inadmissíveis, tornaram-se agora algo corriqueiro para todos, do maior ao menor, não há escapatória, definitivamente a arrogância mostrou-se um erro.
Bioeticamente, a obra volumosa e inacabada do octogenário Leonardo Boff possui diversas trajetórias, assim como o mundo, seu pensamento muda rápido, acompanha os sinais dos tempos, seu olhar está fixo naquelas situações que deixam o ser humano e o meio ambiente vulnerável, apesar de tanto silêncio envolto nas questões fundamentais do Planeta e que dizem respeito todos, Leonardo Boff não deixa que esse deserto de mudez e surdez continue aumentando. Ao se aproximar o Natal, não é fácil aceitar as contradições que permeiam a história humana, chegamos a esse ponto porque muitas coisas importantes foram deixadas de lado deliberadamente, quase todos sabem disso, mas isso não precisa continuar, esses são dias que antecedem um evento de magnitude única, isto é, o nascimento do Senhor da História, Ele mais do que ninguém cultivou a esperança, essa que muito nos falta atualmente e é justamente isso que precisa acabar, dar a volta por cima; olhar para o Salvador, não é nenhum sinal de fraqueza, é sim a nossa maior necessidade.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Mestre e Doutor em Filosofia, é professor titular no Mestrado de Bioética na PUCPR