Quem adquiri-las terá como benefício receber 80% do resultado líquido das receitas geradas pela execução da música nos serviços de streaming – ou seja, cada vez que alguém ouvir O Tempo Não Espera em uma plataforma digital de música, o dinheiro pago pela execução vai para um banco de dados e depois será repartido entre os donos das cotas. É como se o apoiador fosse o coprodutor da gravação, patrocinando a gravação da obra, segundo a empresa.
Os outros 20% ficam para Baleiro, que também receberá um advance, ou seja, parte do dinheiro arrecadado com a venda das cotas. Se a campanha não for bem-sucedida, não atingir a meta, o valor arrecadado volta para os fãs – uma prática comum nos financiamentos coletivos. A empresa ficará com 15% do arrecadado na captação.
A própria TuneTraders será responsável por publicar a música nas plataformas. Depois, por meio da tecnologia blockchain – um livro-razão compartilhado que faz o registro de transações e ativos e o entrega para as empresas -, apresentará para os compradores das cotas relatórios trimestrais e distribuirá os ganhos.
“Diferente do crowdfunding (financiamento coletivo) tradicional, que o apoiador recebe um pôster, uma camiseta – o que onera ainda mais a produção -, eu queria que a contrapartida fosse uma sociedade na obra”, explica Gayotto, que fundou a TuneTraders há 2 anos e, no passado, foi sócio do Partiu, site dedicado à captação de recursos para custear atividades artísticas.
Entretanto, há um limite nessa “sociedade”. A duração dela é de 3 anos – após esse período, 100% dos royalties voltam para o compositor – e o comprador não ficará de posse dos direitos de autor da música, que continuarão sendo de Baleiro. Caberá ao compositor, por exemplo, autorizar ou não uma regravação. Ou também, no caso de Baleiro, previsto em contrato, receber pelo direito de sincronização da música – quando ela for escolhida para fazer parte da trilha sonora de uma novela, filme ou programa de televisão. A sincronização garante ganhos bem mais polpudos do que os gerados pela execução.
O investidor receberá apenas a quantia que lhe cabe pela execução da obra nas plataformas digitais. Se a música for bem, ótimo para o fã que adquiriu a cota. Se a performance for modesta, pode ser que ele não recupere ou não tenha um ganho robusto com o investimento que fez – os players pagam centavos de dólares cada vez que alguém escuta a música de um artista. Ou seja, é preciso tocar muito.
A empresa de Gayotto já aplicou o modelo com outros artistas. O cantor e compositor Paulo Novaes disponibilizou cotas da música Travo, em parceria com a dupla Anavitória. Joice Terra fez o mesmo com a composição Leveza. Com a parceria com Baleiro, o empresário espera chamar a atenção de outros grandes artistas.
“Queremos encurtar a distância entre artista e fã, que passa a ser um promotor da música. A princípio, nosso trabalho é com singles, que é a grande realidade do mercado musical hoje. No futuro, poderemos levar esse negócio para lives, álbuns inteiros e até carreiras, por meio de um CNPJ virtual no qual vai girar toda a receita que a carreira do artista gerar”, diz Gayotto.
Canção
Os apoiadores só conhecerão a música composta por Baleiro ao longo dos 14 dias da campanha, quando ele mostrará alguns trechos em vídeo. A canção, segundo Baleiro, que a assina sozinho, foi feita a partir do convite para participar do projeto.
Segundo ele, O Tempo Não Espera fala do “vazio e da clareira” abertos com a pandemia e o isolamento social, um espaço de reflexão sobre o modo de vida e o estar no mundo. “Resta saber o que ficará de concreto disso. Que rumo a vida moderna vai tomar e que caminho pessoal cada um vai percorrer depois desse tempo estranho, de treva?”, diz Baleiro. Ele admite não ter chegado a qualquer conclusão em relação ao assunto. “Eu só lancei a pergunta.”
Zeca Baleiro diz que aceitou participar do projeto como uma experiência e que não terá nenhum prejuízo, mas que pode obter ganhos. “Pode ser uma boa abertura, não só para mim, mas também para os meus colegas. É preciso entender esses novos business da música”, diz.
Para ele, sempre houve muitos intermediários entre os artistas e os músicos – leia-se aí as gravadoras. “Mesmo com as plataformas digitais ainda existem os atravessadores. A gente trabalha bastante, produz muito, e os ganhos ainda são insuficientes. Nos Estados Unidos, um compositor que tenha 2 ou 3 hits pode se aposentar se quiser. Aqui no Brasil, é preciso fazer um hit por ano e ainda continuar a trabalhar. Eu adoro trabalhar, mas podia ser mais confortável”, diz, sobre a distribuição dos direitos autorais.
Outras plataformas. Zeca Baleiro afirma que tem estudado sobre outra nova forma que vem se consolidando no mercado da produção artística, o NFT, que também é uma relação de comercial sem intermediários entre investidores (ou fãs) e artistas.
A sigla NFT significa, em português, algo como “tokens não fungíveis”, ou, um ativo não perecível, original, não intercambiável. Artistas como David Bowie (1947-2016), o produtor de música eletrônica canadense Jacques Greene e os brasileiros Toquinho, Paulo Ricardo e Marília Mendonça já disponibilizaram direitos autorais no mercado.
Em linhas gerais, a diferença entre o NFT e o modelo no qual Zeca Baleiro irá participar é que no primeiro as obras adquiridas não são compartilhadas e as transações são feitas em criptomoedas.
Segundo Daniel Campello, fundador e CEO da Orb Music, empresa que atua na gestão de direitos autorais, a procura pelo NFT ou outras formas de aquisições de recebíveis da música ganhou força nos últimos anos pela fome dos investidores por ativos alternativos.
“A indústria da música sempre teve esse gargalo no financiamento da sua operação. Por isso, poucas empresas a dominam, que são as majors Sony, Warner e Universal. Durante muito tempo, só elas corriam o risco do investimento em um artista. Basicamente, o que estamos fazendo agora é mostrar ao mercado financeiro que esse risco vale a pena, pode dar um bom resultado”, diz Campello.
O advogado cita o caso da cantora Ludmilla. Segundo ele, a gravadora Warner investiu R$ 1,5 milhão no início da carreira da artista. Hoje, segundo ele, Ludmilla vale R$ 30 milhões e a Warner detém o direito de 80% dos royalties gerados pela cantora.
Para Campello, essa forma de negociar os direitos autorais da música é o futuro da produção fonográfica. “A maior parte dos catálogos que estão sendo negociados é de direitos patrimoniais de autores. Isso porque existe a possibilidade de uma mudança do que recebe o artista e o compositor no digital. Atualmente, de cada R$ 100, R$ 30 ficam para a plataforma, R$ 58 ficam para a gravadora e o artista (intérprete) e R$ 12 ficam para o compositor e a editora (da obra). A aposta é que esses R$ 12 vão aumentar em relação ao R$ 58”, explica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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