A desconfiança que leva à preferência pelo imunizante da farmacêutica norte-americana em relação à Coronavac e à Oxford/AstraZeneca vem, muitas vezes, do acesso a informações desencontradas sobre reações indesejadas e níveis de proteção contra esta ou aquela variante do vírus. Em outras, o motivo é mais prático: algumas pessoas querem estar prontas para viajar quando a pandemia passar e temem a criação de um “passaporte da vacina”.
Por ora, a imunização com a Coronavac não garante o acesso à União Europeia, por exemplo. Mas em alguns casos é só a vacinação em massa que deve liberar fronteiras. Desde 26 de janeiro, passageiros que nos últimos 14 dias estiveram em Reino Unido, Irlanda e 26 países europeus, além de África do Sul e Brasil (por causa das variantes), estão proibidos de entrar nos EUA.
No início deste mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou o uso emergencial da Coronavac, a vacina contra a covid-19 mais comum no Brasil. A autorização foi um passo importante para que a União Europeia, que atualmente discute a flexibilização das suas fronteiras, comece a aceitar a entrada de pessoas já imunizadas com ela. Ainda assim, para quem tomou a vacina produzida no Instituto Butantan acessar o território europeu não é tarefa nada fácil. A viagem é condicionada à apresentação de um teste PCR feito até 72 horas antes do embarque e a uma quarentena de 14 dias no país de desembarque, com isolamento e rastreio de contatos.
Essa é uma das preocupações da comerciante Kika Kim, de 49 anos, um lugar à frente de Caio na fila. “Por enquanto não tenho nada planejado, mas é melhor tomar logo a que posso viajar se eu precisar”, afirma.
Para Caio, viagens internacionais ainda são uma realidade distante. A preocupação do administrador é mesmo não ter reações adversas e poder contar com o que ele acredita ser a maior proteção da vacina da Pfizer. Ele sofre de asma e saiu do Tatuapé, na zona leste, após ouvir falar que ali conseguiria receber a primeira dose desse imunizante. Atestado médico à mão, ele busca o que seu irmão, que também sofre com a asma, já fez. Isso à parte, o medo de se infectar com uma cepa para a qual a vacina da AstraZeneca seja menos eficiente que as demais também pesa.
A cerca de 2 km dali, na UBS Santa Cecília, também na região central de São Paulo, a policial civil aposentada Rosimeire Ferreira, de 49 anos, foi atrás da “xepa”, a sobra da vacina. Preferência? “A da Pfizer”, diz. “A gente ouve que é melhor do que a Coronavac, então é essa. A da AstraZeneca parece que dá muita reação.”
Cinco lugares atrás dela na fila, o estudante Maurício Kalife, 19, está ainda mais decidido. Para sua sorte, nesta terça-feira, 8, a vacina da farmacêutica americana era a que estava sendo oferecida. Não fosse o caso e ele procuraria outro posto de saúde. “Confio mais nos europeus e americanos”, afirma.
Crítica
Não deveria ser o caso, explica a infectologista do Hospital Sírio-Libanês Mirian Dalben. Todas as vacinas disponíveis hoje no País são eficazes e seguras. “É muito complicado comparar a eficácia global das vacinas”, diz. “O estudo da Pfizer foi feito antes da maioria das variantes surgir, no meio do ano passado, e a da Coronavac, depois.” Lançadas após a fase três das pesquisas, todas elas ainda passam por acompanhamento para se medir a eficácia em populações maiores ao longo do tempo, a chamada fase 4. “Pode ser que depois de um tempo, no futuro, possa se dizer que uma é melhor que a outra para determinada população”, afirma a infectologista. “Agora, o importante é tomar qualquer uma das três e não adiar. Não dá para ser sommelier de vacina.”
Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirma que todas as vacinas disponíveis no Brasil foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e têm eficácia comprovada. “A pasta orienta que não seja feita escolha de um imunizante e nem que a vacinação seja atrasada por isso.” Em nota, a administração municipal afirma que “o Município dispõe de doses suficientes de vacinas contra covid-19 para vacinar o público elegível e, neste momento, estão disponíveis os imunizantes da Pfizer para a primeira dose, Oxford/AstraZeneca para a primeira e segunda dose, e Coronavac, exclusivamente para a primeira dose de grávidas e puérperas e para a segunda dose dos grupos elegíveis”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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