Em tempo de pandemia, as gravações de Cineastas do Real foram feitas de maneira remota. Labaki, criador e diretor do festival de documentários É Tudo Verdade, diz que perdeu o privilégio do convívio pessoal com os cineastas, “mas a série nada perdeu em foco, sintonia e concentração”.
É bem o que se vê nos dois primeiros programas, aos quais o Estadão teve acesso. Walter Salles é bastante conhecido por sua obra ficcional, em especial por Central do Brasil (1998), vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. Mas, como diz, é da prática documental que muitas vezes tira material para sua obra de ficção. É o caso de Central do Brasil, que surge após o documentário Socorro Nobre (1995) sobre a presidiária que escrevia cartas ao artista plástico Frans Krajcberg.
Também é o caso de Antonio Carlos da Fontoura, bastante conhecido por filmes como Rainha Diaba (1974) e o mais recente Somos Tão Jovens (2013), recriação da trajetória de Renato Russo. Fontoura começou com documentários hoje tidos como clássicos, como Heitor dos Prazeres (1966) e Ver Ouvir (1966).
Da mesma forma, Salles dá início à sua carreira com documentários como Japão, uma Viagem no Tempo: Kurosawa, Pintor de Imagens (1986), Krajcberg: O Poeta dos Vestígios (1987) e Chico ou o País da Delicadeza Perdida (1989), obras que precedem sua estreia na ficção em 1991 com A Grande Arte, adaptação do romance de Rubem Fonseca.
Salles relembra como foi importante o processo documental pela América Latina antes da filmagem de outro de seus sucessos, Diários de Motocicleta (2004), recriação do processo de descoberta geográfica e política do jovem Ernesto Guevara em anos que antecederam a Revolução Cubana. Muitas das imagens documentais migram para o filme de ficção, enriquecendo-o e dando-lhe autenticidade.
Mesmo processo para On The Road (2012), versão ficcional da obra de Jack Kerouac, precedida por um documentário sobre a beat generation norte-americana. O doc pode ser uma obra em si, ou um processo de aprendizagem do cineasta com vistas à realização de uma obra de ficção sobre aquela realidade.
Salles deu seguimento à sua carreira de cineasta de ficção, mas volta e meia se exercita no documentário. É o caso do ótimo Jia Zhangke, um Homem de Fenyang (2014), sobre o formidável diretor chinês, que Salles realizou em parceria com o crítico francês Jean-Michel Frodon.
Os diálogos entre Labaki e os diretores são muito interessantes, leves, bem-humorados e esclarecedores. É conversa entre criadores e um crítico experiente, que conhece seu ofício e as obras que discute. Pode conduzir a conversa a temas importantes da reflexão crítica contemporânea, como o dos limites entre documentário e ficção, cada vez mais fluidos. Pelo que se percebe, doc e ficção não se opõem: fertilizam-se mutuamente. Aquele fornecendo base de realidade para encorpar a ficção; esta doando técnicas narrativas que podem enriquecer o registro documental.
Os outros entrevistados desta temporada são: Sérgio Tréfaut, Ricardo Calil, Gregório Baccin, Silvio Da-Rin, Daniel Santiago, Ana Carolina, Cristiano Burlan, Walter Carvalho e Sérgio Oksman.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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