Flori Antonio Tasca
Um estudo publicado em 2008 na revista “Psicologia & Sociedade” também questionou o conceito de bullying e sugeriu que ele serve para manter a ordem vigente, impedindo que os indivíduos consigam autonomia. De autoria de Deborah Christina Antunes e Antônio Álvaro Soares Zuin, o estudo cogitou a possibilidade de o conceito mascarar os processos sociais que levam à violência escolar, ou então de tratá-los como naturais.
Isso porque, embora os pesquisadores dessa área citem fatores econômicos, sociais, culturais e particulares entre as causas do bullying, eles não os problematizam, mas os enxergam de forma isolada das contradições sociais que o produziram. Em razão disso, apela-se para a prescrição do bom comportamento e da boa conduta moral para resolver o problema. Os autores do estudo, porém, entendem que se trata de um falso controle e que não se pode se deixar seduzir pelo culto da sistematização pura e simples.
Na visão deles, o bullying não é uma simples manifestação de violência, sem qualquer fator determinante. Na verdade, o bullying se aproximaria do conceito de preconceito, principalmente quando reflete os fatores sociais na hora de determinar o “grupo-alvo”, e a ciência pragmática se iludiria ao tentar controlar a prática via aconselhamentos. Não pretendem com isso os autores diminuir a importância do estudo sobre a violência no ambiente escolar, mas eles sugerem que é preciso um nível de problematização maior.
O estudo defende que não basta pregar a paz pela via da educação, se o ato de educar consiste no mesmo adestramento totalitário que se enxerga na sociedade. É a ideia de emancipação que precisa ser inserida no pensamento e na prática educacional, indo além da mera transmissão de conhecimentos e à modelagem de pessoas. A “paz”, nesse sentido, não pode ser um imperativo imposto aos alunos, ainda mais se o modelo de educação seguir na mesma direção de disputa e individualismo da sociedade.
Os autores questionam se a preocupação demonstrada com o bullying é realmente com a saúde e a integridade das pessoas ou com aqueles que poderiam denunciar a falsidade do sistema, já que os transgressores não se adaptam e por isso não mantêm a ordem social que os faz sofrer. A violência poderia, nesses casos, ser uma manifestação contra aquilo a que não se conseguiu se ajustar totalmente, o que acaba ferindo as “certezas” sobre as quais o progresso se sedimentou e, em consequência, termina reprimida.
Assim sendo, as práticas de violência nas escolas deveriam ser compreendidas por meio da análise social, para que não se mascare as tensões e contradições que estão na base daquilo que se entende por “barbárie”. Seria preciso pensar em uma forma de educação que não impeça a emancipação, pois, segundo os autores, na medida em que se força a repressão e a adaptação, corre-se o risco de que a própria educação seja a barbárie.
Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br