A liberdade é um risco, mas vale a pena apostar nela

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

A modernidade levantou alto a bandeira da liberdade em todos os sentidos, não faltaram ocasiões e muito menos pessoas bradando para todos ouvirem, que o ser humano deveria ser livre, a liberdade tornou-se um dogma inequívoco em praticamente todas as sociedades, mas essa liberdade não se desenvolveu de modo unívoco, isto é, em muitos lugares ela tornou-se um equívoco de enorme grandeza, que ao invés de produzir o bem para todos, ela fez exatamente o contrário, por outras vias e com discursos ambivalentes, a liberdade descambou para formas e práticas violentas de outros tipos de dominação; a modernidade viu apenas o desabrochar da liberdade, ela gerou um elemento fundante dos seres humanos, hoje quando olhada bem de perto, a liberdade possui muitos rostos que não traduzem a real liberdade que precisamos, em muitas ocasiões se tornou uma arma.

Hans Jonas (1903-1993), um filósofo alemão marcante do século XX tratou do tema liberdade com muita propriedade e segurança, segundo ele, a liberdade em qualquer ocasião tem um caráter de dubiedade, dentro dela, não foram jamais eliminadas as suas contradições, que aliás estendem-se aos seus adeptos, por outras palavras, nenhum regime de governo, nenhum partido político, nenhum ser humano que faça parte desta ou daquela instituição e que preze sobremaneira pela liberdade, pode dizer ou clamar que está imune à corrupção, seja esta moral, humana ou financeira. Sempre e de alguma forma, sendo em especial aquela que promete de várias maneiras o melhor bem-estar possível, pode vir a ser a forma mais tirânica de liberdade, no sentido que faz o ser humano acreditar docilmente que ele é amplamente livre para fazer o que quiser, quando isso não é verdade.

Olhemos para a realidade de israelenses e palestinos, dois povos, duas culturas, dois patrimônios da humanidade, nem todos os israelenses e nem todos os palestinos querem esse conflito, sabemos de casos em que eles vivem e convivem muito bem, tanto lá na Terra Santa, como em outros lugares do Planeta, mas isso não interessa ser mostrado pela dita imprensa imparcial, mas que de imparcial não possui nada, essa imprensa se vangloria de ser livre, mas todos sabemos que a tal liberdade que ela prega tem nome, tem lado, tem rosto, tem uma proposta de vida; mais do que serem belicosos e partidários de muitos grupos fanáticos e terroristas, ambos, israelenses e palestinos são seres humanos que compartilham os mesmos lugares santos, crenças e religiões muito aproximadas, esses povos de estatura gigante tem muito mais coisas que os unem do que aquilo que os desune.

Voltemos à liberdade justamente nessa área conflituosa, um ataque monstruoso no último dia dezessete, ao Hospital Batista Al-Ahli, sustentado pelos anglicanos, no centro de Gaza é um triste e macabro capítulo na aventura humana, mais um crime de guerra que jamais será julgado pelos organismos internacionais, pois esses são em muitos aspectos, privados de exercerem a sua liberdade, muitas versões, muitas trocas de acusações que resultarão em nada e muito menos trarão de volta aquelas centenas de vítimas inocentes que ali estavam, ou para serem medicadas ou que estavam fugindo do conflito. A única liberdade que estamos assistindo nesse triste e deplorável episódio é a liberdade de se terem reuniões infindáveis e sem nenhum resultado concreto, assistimos também aquela falsa liberdade de ajuda humanitária; sabemos todos que nessa história tudo tem um preço.

Parece que muito longe das reais intenções e principalmente dos holofotes, encontra-se a liberdade para solucionar essa guerra de proporções ainda desconhecidas, caso outros países intervenham para um ou outro lado, nessa hora percebemos bem que o mundo dito globalizado, não é tão global assim, ele é nessa hora mais uma miragem, e um sonho, muito longe daquilo que alguns dizem e se propõe a respeito. Onde está a liberdade do deus mercado nessa hora? Onde estão aqueles senhores do mundo que se reúnem ano após ano em Davos? Onde foram parar todos os ganhadores do Prêmio Nobel? Onde foram se esconder os líderes que participam do G-7 e G-20? Onde foi parar a liberdade que tanto pregam esses grupos? Realmente, nosso mundo sofre uma séria crise de consciência, sofre de uma doença chamada indiferença e sofre por não fazer nada.

Bioeticamente, já está mais do que provado que com a guerra perdemos tudo e no final não ganhamos absolutamente nada, aliás ganhamos sim: mais rancor, mais ódio, mais raiva, mais desejo de vingança; o espírito da guerra é um mal que afeta cada um de nós de maneiras diversas, nós brasileiros estamos sim longe do conflito, mas estamos muito perto de israelenses e palestinos que moram em nosso querido Brasil, fizeram dessa terra seu novo lar, novas esperanças, um só desejo de aqui recomeçar com liberdade uma vida nova. Nós brasileiros, não podemos ficar apáticos, nem fechados em nossas vãs arrogâncias, ficando apenas num ou noutro lado. De nada adianta ficarmos superficialmente profundos num assunto de enorme complexidade e que foi em última análise produzido pela liberdade humana, urge repensarmos o que estamos fazendo de nossas liberdades, de nossas vidas, por outras vias, estamos caminhando na direção certa com esse estilo de vida perigoso que adotamos? Estamos realmente mais seguros vivendo dessa forma? Sairemos nós vivos?

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