A luz é apenas um profundo céu estrelado

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Nas luzes e sombras do “mundo novo” que se avizinha, não deixa de ser curioso que a humanidade toda, está sob variados ângulos praticamente toda ela imersa na era que se convencionou chamar de a era da técnica, o ser humano que se forja a partir dela é tentado sob diversos aspectos aderir a ela sem questionamento algum, sub-repticiamente ela inculca em todos uma mensagem que ela pode ser usada com total liberdade para se fazer o que bem entender, ela posta uma aparente adocicada mensagem de neutralidade, crer nela a qualquer custo tornou-se um dogma inquestionável. Ao nos ajoelharmos perante a técnica, num mundo estilhaçado por rupturas, desejamos apenas que ela nos dê um futuro brilhante, que ela faça aquilo que os humanos não foram e não estão sendo capazes de realizar, isso por outras palavras, que de uma vez por todas ela torne o impossível possível.

Não se trata aqui em absoluto de negar a técnica ou pior ainda demonizá-la, trata-se antes de mais nada vê-la como uma auxiliar a mais na caminhada humana, não a tendo como única, exclusiva ou infalível; sabemos cada um ao seu modo por experiência própria que ela nem sempre dá as respostas que precisamos, ao contrário ao invés de respostas ela cria outras tantas situações até então não previstas ou não queridas por nós. A técnica tem tido cada vez mais a prerrogativa de mudar as pessoas, mas não de aproximá-las e muitos têm a sensação de que a técnica acaba levando as pessoas para regiões onde ela não desejariam estar, pois nesse lugar desconhecido não possuem ferramentas adequadas para um bom retorno; a técnica de modo brilhante possui em seus meandros uma capacidade de nos fazer esquecer quem somos de fato, ela não nos deixa ver nós mesmos.

Dentre tantos que se debruçam sobre o tema técnica, o filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) figura entre os principais e tem sido cada vez mais uma voz a ser buscada para o que se vivencia hoje a nível mundial; em 1979 o filósofo de Mönchengladbach publicou seu “Princípio Responsabilidade”, em resposta a outro grande nome, Ernst Bloch e seu monumental “Princípio Esperança”. Jonas, com acuidade de anos luz, analisa com paixão a nova realidade que toma conta do mundo, ou seja, a técnica, as suas benesses, promessas e também todas as suas incompletudes não ditas. Para Jonas, a técnica separa de modo categórico as esferas que fazem parte do humano, a técnica reduz o ser a mero objeto manipulável, independente do meio onde esse vive; ao abdicar de sua liberdade, o ser acaba enveredando por um caminho cujas consequências ele não pode jamais prever.

A técnica em bem poucas palavras, é aquela razão instrumental à disposição do ser humano, são meios criados pela inteligência humana para desbravarem até as últimas fronteiras do átomo, se queremos um exemplo claro para tanto, os primeiros racionalistas modernos viam na instrumentalidade a chance real de se eliminarem os principais problemas da humanidade, não raro lemos em suas obras a confiança, a fé, a paixão com ares de endeusamento da mesma; essas belas intenções não deixaram ainda de serem perfeitamente louváveis, mas se por um lado a técnica produziu belas e grandiosas obras, verdade também se diga que a mesma técnica originou problemas até então desconhecidos e pior ainda, que muitos desses problemas continuam insolúveis, basta pegarmos a energia nuclear como exemplo, bem como todos os lixos que ela vai produzindo, onde colocá-los?

Hans Jonas jamais dirá que não se deve usar a técnica, pois ela queira-se ou não faz parte de todo o sistema vida, o que Jonas questiona é sim o modo indiscriminado de como essa técnica é usada para fins nem sempre nobres e que acabam acarretando novas preocupações para todos os lados, por isso ele propõe que toda e qualquer técnica seja usada com responsabilidade, prudência, cautela e temor, afinal a técnica quando usada não se direciona a uma dimensão somente, ela atira para os lados e sem avisar, isso é o que mais assusta nela. Jonas anteviu, aquilo que hoje se tornou comum, ou seja, a técnica produz uma efemeridade de satisfação e junto com ela vem a vacuidade, deixa crateras abertas por onde quer que passe; todo ser humano desprovido de responsabilidade pode ser sujeito de ações difíceis de serem controladas, por outras palavras; ele pede humildade.

Bioeticamente, não podemos viver sem a técnica e seus derivados, seria loucura achar que poderíamos retroceder e viver como nossos pais e avós, mas a maior loucura hoje reside no fato de ver na técnica a solução para tudo que aí está, Hans Jonas enfatizou isso diversas vezes e para que a loucura técnica não nos destrua Jonas sugere uma mudança geral de comportamento por parte do ser humano, pois é somente esse ser que usa e abusa da técnica, bem diferente dos seres extra-humanos. O ser humano sempre achou ser o senhor de tudo e de todos, com a crise viral e outros acontecimentos num passado próximo, este acabou caindo do cavalo, muitos se deram conta que é preciso ter outra atitude, baseada na modéstia, simplicidade, respeito, acolher a ideia de que o ser humano pode muitas coisas, mas não pode tudo, a técnica pode sim nos ajudar a resolver muitos problemas, mas que ela por si só não resolve todos os problemas; enfim Hans Jonas é aquele pensador que nadou contra as correntes, também nós somos convidados a isso.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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